Perguntaram-me, há poucas semanas, sobre o que se deve entender por Apocalipse, palavra muito usada pela imprensa para designar tempos catastróficos. E ainda se queria saber sobre o uso do vocábulo Harmagedon, às vezes usado com o mesmo sentido de Apocalipse.
Todas as pessoas, todas as famílias, todos os povos se fazem perguntas sobre sua origem e sobre seu porvir. Como tudo começou, para onde tudo converge? Só quem for muito preguiçoso é que não procurará uma resposta. Essas perguntas deram origens às filosofias, às sabedorias, às religiões. Cada povo, cada geração, cada civilização procurou encontrar respostas que expliquem a situação do ser humano na face da Terra: Por que ele é infeliz, ou feliz? Por que um é rico e outro é pobre? Por que existe o mal? O que é o bem? O que é o amor? Por que morremos? etc. As respostas a essas perguntas vão desde os mitos até às ciências. Obviamente, assim como temos um início, teremos também um fim. Nós e o mundo. Se não o mundo (como universo) pelo menos este mundo, ou esta época ou este modo de ser ou de viver. Se continuarmos a destruir nosso mundo, nosso planeta, é claro que ele vai acabar. O que fazer para evitar o fim do nosso mundo?
As religiões não são produtos acabados. Elas têm origens que se perdem no tempo, origens nem sempre conhecidas ou bem delimitadas. Elas evoluem, ou podem involuir. Às vezes se aproximam, outras vezes se afastam umas das outras. No fundo todas querem encontrar respostas para o que um autor americano chamou de “ultimate concern”, as “ultimidades”. O fato é que as religiões acumularam muita experiência, produziram muita literatura, estão sempre à procura de uma “basicity”, fundamentos em que possam se apoiar para poderem entender pelo menos os problemas do mundo e do ser humano, no maior nível de profundidade possível, já que os mistérios persistem insondáveis para nossa inteligência que é ao mesmo tempo fértil, riquíssima, mas também bastante limitada.
Harmagedôn, do hebraico Har=montanha; Meguiddon=nome de uma localidade (montanha de Meguido) designa um sítio na Palestina, costeando a cadeia do Carmelo, um famoso campo de batalha onde se deram vários fracassos militares, inclusive onde um importante rei judeu, Josias, foi assassinado pelo faraó Necao, em 609 aC. O vocábulo tornou-se então um símbolo de derrotas, desastres, lamentos, assombros para os exércitos que por lá passaram. Somente Ap 16,16 usa esta palavra, evocando uma batalha final entre Deus e os governantes humanos perversos. Deus é quem sai vitorioso, põe fim ao domínio da corrupção. Vários cristãos gostam de usar esta palavra para exprimir a convicção de que Deus sempre há de vencer o mal. Mas é um vocábulo de pouca compreensão para a maioria das pessoas, portanto deve ser evitado; não contribui para esclarecer muita coisa. Pode-se falar do senhorio de Deus de forma menos extravagante.
A palavra Apocalipse também não é de fácil entendimento. É um vocábulo grego que significa « revelação ». Na realidade existe um gênero literário chamado apocalítica que foi abundantemente usado na Bíblia por quatrocentos anos. Há trechos proféticos que são apocalíticos, há trechos evangelicos que sao apocalíticos, mas o úlimo livro do Novo Testamento é certamente o mais notório. Essa literatura costuma nascer em tempos de crise e serve para dar alento aos perseguidos, aos vitimados, aos marginalizados para se fortalecerem e prosseguirem a sua luta pela libertação. Foi o que acontceu com os cristãos durante o Império romano no primeiro século. O livro do Apocalipse foi escrito em torno do ano 95, durante o império de Domiciano. Usa uma linguagem cifrada, cheia e símbolos (cores, números, astros, instrumentos, animais, plantas etc.), certamente compreensível para os cristãos daquela época, mas muito distante da compreensão dos homens de hoje, pelo menos dos que não aprenderam a ler textos arcaicos. O Apocalipse cristão faz uma crítica muito veemente a toda forma de poder (político, econômico, militar, cultural, religioso), demitiza forças consideradas indomáveis e responde à pergunta que se faz em tempos de crise : Onde está o futuro? Nos govenantes, na nobreza, na riqueza, nos estrangeiros, na violência... ? A tradição bíblica responde que o futuro está no povo humilde, pobre, trabalhador, pacífico, mas forte pela fé, pela prática da justiça e pela solidariedade (o Novo Testamento chama essa força de agápe=amor, caridade). É aí que está o futuro, e esse futuro já começou pela resistência de um povo que segue verdadeiramente, sem retórica, os valores do Evangelho.
(*) Jornalista profissional e professor de Filosofia.