A cidade de São Paulo, que acaba de celebrar seus 466 anos, vem fazendo um esforço de modernização e melhorias em diversas partes. Há anos, por exemplo, a Associação Viva o Centro realiza parcerias para recuperar prédios, monumentos, jardins, regiões degradadas do centro histórico. Tem obtido sucessos.
Na região nacionalmente conhecida por “cracolândia” deveria ter surgido um novo bairro, a Nova Luz, um projeto que abrangeria 45 quadras. O projeto visava, em dez anos, proporcionar a esta parte do centro paulistano total reurbanização, dotada de equipamentos de cultura, lazer, serviços etc. Nada disso, porém, se concretizou.
A evolução dessas iniciativas, entretanto, parece uma dança macabra. Com efeito, no fim da idade média surgiu uma alegoria que celebrava a universalidade da morte e seu séquito (ignorância, doenças, guerras, cismos, carestia, feiúra etc). Não importava qual fosse o estatuto de uma comunidade em vida (papado, nobreza, riqueza, sabedoria, ciência, invenções, saúde, beleza...) todos estavam irmanados pelo fracasso, pelo êxito letal. Não era possível usufruir da bondade e da beleza até o fim, elas tinham de ser interrompidas pela antecipação da finitude.
Entre nós tem-se a impressão de as coisas serem mais ou menos assim. A cada passo positivo que a cidade consegue dar, ela se revela ainda não vacinada contra surpresas desagradáveis, ou no mínimo anacrônicas, como se houvesse incapacidade invencível de livrar-se do mau gosto.
Poderíamos citar inúmeros exemplos, mas me limito apenas a um caso. A Praça Roosevelt, depois de décadas de decadência, nos últimos anos passou por um processo de recuperação. Fisicamente ela foi amplamente repaginada e em seu entorno está se consolidando um admirável polo cultural (pistas para esportes, vários teatros, além do tradicional Teatro de Arena; livraria; Associação Cristã de Moços; escola de dança; reconstrução da grande sala da Sociedade de Cultura Artística; restauração da igreja da Consolação (da metade do século 19, mesclada de estilos neo-românico e neo-gótico, com os conhecidos painéis de Benedito Calixto e Oscar Pereira da Silva). Na mesma praça temos ainda a antiga Escola Alemã, centenária (projeto do arquiteto August Fried, é de 1913), hoje Escola Caetano de Campos (dos raros exemplos que sobraram do período eclético da arquitetura paulistana), na rua que homenageia João Guimarães Rosa. Bem ao lado, a rua Avanhandava é exemplo de eficiência e bom gosto.
Na frente da igreja (esquina da avenida da Consolação com a descida para a Amaral Gurgel), há um poço de serviço do Metrô. Para ele achou-se uma solução razoável, com pequeno jardim, gramado e discreta grade.
Qual não é a surpresa para os milhares de habitantes da capital que ali circulam, quando vêm a grade dessa esquina aparecer toda coberta de uma extensa, horrível e agressiva touceira de arame farpado. Impossível solução mais infeliz. Evoca uma prisão, um campo de concentração, uma excrescência absolutamente injustificável, que a cidade não merece. Não creio que possa ser decisão de algum arquiteto! O fato é que a Companhia do Metropolitano de São Paulo, acostumada a lidar com situações que exigem competência técnica e criatividade, que já nos proporcionou tantas lindas obras de arte em suas estações, vacilou e, como se tivesse feito um verdadeiro pacto com a feiúra, passou a exibir num importante espaço de São Paulo um indiscutível monumento ao horror.
(*) Jornalista profissional e professor de Filosofia.