A decisão de Dom João de rumar com toda a sua família e a corte de Portugal para o Brasil, foi um ato de estratégia política ou pura covardia de um rei medroso? O assunto é sempre tema de discussão entre os historiadores brasileiros e portugueses, mas todos concordam numa coisa; a chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, fez amadurecer entre os brasileiros os ideais de independência, embora não fosse essa a ideia do monarca lusitano quando chegou por essas terras.
Passado o temor de ver seus domínios conquistados pelos franceses e de ser morto pelo exército de Napoleão Bonaparte, o príncipe regente Dom João poderia ter retornado logo depois, mas insistiu em permanecer sob o argumento que Portugal, sendo um país de pequena extensão territorial, precisava expandir suas fronteiras comerciais e para isso contava com os recursos naturais que o Brasil pudesse oferecer. Achou necessário, portanto, emancipar a colônia à condição de Reino Unido e utilizar os recursos da coroa, trazidos durante a viagem.
Com isso modernizou a cidade Rio de Janeiro e promoveu outras melhorias bem conhecidas como a Abertura dos Portos, a fundação do Banco do Brasil, a implantação das Escolas de Medicina, ao mesmo tempo em que oferecia melhores condições de vida aos integrantes da corte portuguesa que o acompanharam na tormentosa viagem realizada entre novembro de 1807 e janeiro de 1808. A princípio desembarcaram em Salvador, para em seguida se instalar em definitivo no Rio de Janeiro, a 8 de março daquele mesmo ano.
A esquadra que partiu de Portugal e trouxe o príncipe regente e sua comitiva, era formada por 35 navios portugueses e ingleses, cuja missão era escoltar a nau capitânia Príncipe Real ocupada por toda a família de Dom João. Estavam com ele na embarcação sua esposa, a princesa Carlota Joaquina, sua mãe, a rainha Maria I, já em progressiva demência; filhas e os herdeiros varões Dom Pedro e Dom Miguel, além de tias, primos e serviçais. Também nessa embarcação estava todo o dinheiro que trouxeram, algo em torno de 80 milhões de cruzados (cerca de 240 milhões de libras esterlinas). Essa quantia representava metade das moedas em circulação em Portugal e se embarcação afundasse ou fosse saqueada tudo se perderia, bem como todos os descendentes da Casa de Bragança estariam mortos.
Com a derrota de Napoleão I na Europa, em 1815, nada mais justificava na opinião dos portugueses, a permanência da corte no Rio de Janeiro, mas Dom João, mesmo pressionado, teimou em ficar e aqui permaneceu até 1821 quando pressionado pelas cortes de Lisboa decidiu retornar. Napoleão Bonaparte morreria quatro meses depois de sua volta.
Detestado por secretários, assessores próximos e ministros de Estado pela excessiva demora em tomar decisões, Dom João VI foi coroado rei de Portugal, Brasil e Algarves, 6 de fevereiro de 1818, dois anos após a morte de sua mãe. Nos retratos oficiais ele aparece obeso, rosto carnudo, olhos grandes e encovados.
Os historiadores dizem que ele não gostava de ostentação, se vestia com simplicidade e quase não tinha vida social, mas promovia banquetes para alegrar a corte. Glutão inveterado bebia pouco vinho, apreciava aves de caça e galinha, mas se deliciava também com carne de veado. Dizem que quase não tomava banho e por todas essas informações é visto nos filmes de cinema ou novelas de televisão mais pelo lado cômico do que pela importância política.
Seus defensores lamentam esse fato, argumentando que ele foi hábil o suficiente para livrar seu país das garras de Napoleão, outros entendem que sempre agiu de maneira covarde e que os resultados vieram por outras circunstâncias e não pela sua estratégia.
Napoleão fizera um ultimato a Dom João; ou Portugal apoiava a Inglaterra contra os interesses franceses, ou então ajudava a França se declarando inimigo dos ingleses. A situação era muito delicada, fosse qual fosse a decisão. Qualquer uma colocaria o país em conflito militar.
Chegou a enviar um emissário à França pedindo mais tempo, mas este nem conseguiu cruzar a fronteira pois os gauleses já ocupavam a Espanha. Decidiu pelos ingleses, embarcou às escondidas para o Brasil em uma madrugada na qual chovia a cântaros em uma operação que contou com o total apoio da Inglaterra.
Em uma carta ao povo português alegou que deixava seu país e seguia para o Brasil como forma de salvaguardar a coroa e por saber que a ocupação territorial pelos franceses era inevitável. Argumentou na carta que o poderio militar lusitano era pequeno e sem ele não haveria conflito, se impediria assim, o derramamento de sangue. Enfatizou ainda que, “o reino de Portugal continuaria existindo no Brasil”
O povo português só ficou sabendo da saída da família real na manhã que sucedeu à madrugada do embarque, em 27 de novembro de 1807, debaixo de uma forte chuva, quando os barcos já estavam a uma distância considerável da costa. A população se viu abandonada e se sentiu traída. O pior, estavam à mercê do exército de Napoleão, mas Deus é grande.
Quando rumavam a Portugal, pelo norte da Espanha, o exército francês comandado pelo general Junot enfrentou uma difícil batalha com muitas baixas. Ao entrarem nas terras lusitanas estavam alquebrados, esfarrapados e famintos, a ponto de alguns soldados de tão fracos, pedirem ao povo para que os ajudassem a carregar suas armas. Se houvesse enfrentamento, os portugueses certamente teriam vencido.
Napoleão se rendeu ao Duque de Wellington, em 18 de junho de 1815, após a Batalha de Waterloo e Portugal se viu livre do inimigo francês sem dar um único tiro. Nos últimos anos de vida, passados em exílio na ilha de Santa Helena, Napoleão ao escrever suas memórias citaria Dom João afirmando ter sido ele, “o único me enganou”.
No Brasil, o rei de Portugal, vivia em um ambiente muito diverso daquele que enfrentava em Lisboa. Aqui exercia o papel de monarca absolutista, quase não dependia da decisão de ministros ou do parlamento e para agradar os representantes da corte, concedia perdões financeiros, conferia honrarias, se sentia no paraíso. Até por isso, defendia como podia o Brasil junto aos portugueses por entender que devido às dimensões continentais, no futuro Portugal é que dependeria dos brasileiros e não o contrário.
Retornou a Lisboa com a família, em 26 de abril de 1821, deixando apenas o filho varão mais velho, Pedro de Alcântara. Contam os historiadores que no dia do embarque se mostrava emocionado e na hora de partir, lançou ao pescoço do jovem príncipe regente, a insígnia do Tosão de Oiro e em seguida dirigiu a ele as proféticas palavras... “Bem antevejo que o Brasil não tardará a separar-se de Portugal. Nesse caso, se me não puderes conservar a coroa, guarda-a para ti e não a deixes cair em mãos de aventureiros”.
O que falta agora aos portugueses é reconhecer, decorridos 203 anos da independência proclamada em 7 de setembro de 1822, que o Brasil foi a melhor das criações que Portugal ofereceu ao mundo, graças ao empenho de Dom João VI e de outros filhos da nobre nação lusitana.