Primeira escritora profissional no ocidente, poetisa e filósofa italiana que viveu na França na primeira metade do século XV.
Nascimento: 11 de setembro de 1363 – em Veneza, na Itália
Tinha 4 anos quando a família se mudou para Paris e seu pai Tommaso de Pizan foi nomeado secretário do rei Carlos V de França e também trabalhou como astrólogo da Côrte.
Christine casou-se com Etinenne de Castel (secretário da chancelaria do rei), com quem teve dois filhos e uma filha.
O cônjuge contraiu peste e faleceu inesperadamente em 1389, quase um ano depois da morte do pai.
Viúva, com 25 anos ,Christine viu-se na contingência de batalhar meios de subsistência para si mesma e seus filhos.
Em um de seus textos autobiográficos “O Livro da Visão de Christine”, ela se coloca como a personagem Philosophie, e lembra a si mesma de que, se não fosse a viuvez, ela teria se dedicado apenas nas atividades maternais e domésticas e não teria mergulhado no mundo dos estudos e da escrita.
Em seu livro autobiográfico “O Livro da Mutação da Fortuna” em 1403, descreveu uma alegoria intrigante. Após a morte de seu marido o destino a transformou em um homem, agora dotado de força suficiente para conduzir a embarcação que representa sua existência.
Essa obra chamou a atenção do Duque de Bolonha que encomendou uma biografia do seu irmão Carlos V. O livro foi publicado em 1404 com o título “Livro dos Fatos e dos Costumes do Sábio Rei Carlos V”.
Christine começou a compor poesias em 1390, passando a ganhar a vida como escritora da corte, inicialmente escrevendo baladas de amor populares.
Depois, além de autora, tornou-se editora e publicadora de seus livros: orientava copistas e artistas para ilustrar seus manuscritos e atuou inclusive ela própria como copista.
De inteligência aguçada e versátil presenteou compilações dedicadas às pessoas ricas, pois viu nelas potenciais mecenas, buscando com isso segurança financeira e renome.
Em 1394 redigiu a obra “Livro das Cem Baladas”, sob encomenda das esposas dos príncipes. Houve boa aceitação desse trabalho, pleno de lirismo melancólico onde ela expressa seu sentimento perante o luto (pela morte do pai e do marido) e as dificuldades financeiras que passou a ter.
Lembrando que Balada Literária é um poema medieval constituído por três estrofes com oito versos e uma estrofe com quatro versos.
O rei da França na época era Carlos VI que apresentava crises de colapso mental, ocasião em que a corte ficava sob as ordens da rainha Isabel e da regente Branca de Castela. Isso reforçou a percepção de Christine de que as mulheres também poderiam ter capacidade de liderança.
Cristine começou a ganhar notoriedade como escritora em 1402 com a publicação do “Debate da Rosa” – Uma série de cartas tendo como ponto inicial a contestação do conteúdo misógino do livro “Romance da Rosa” de Jean de Meung, lembrando que misógino é toda expressão de desrespeito ou desprezo pela mulher.
Jean de Meung havia escrito uma sátira às convenções da época, mas denegrindo a imagem da mulher, o que revoltou Cristine.
Foi o primeiro debate público em defesa do gênero feminino.
Atualmente Christine de Pizan é considerada precursora do feminismo moderno, justamente por abordar temas antimisóginos com destaque para duas de suas obras, ambas publicadas em 1405:
1-“Livro da Cidade de Senhoras” (também traduzido como “Livro da Cidade das Damas”) onde a própria autora é personagem que recebe a incumbência de edificar uma fortaleza constituída somente pelo sexo feminino a fim de proteger as mulheres contra a violência e difamação masculina. O livro é em forma de diálogo com três Damas (Razão, Retidão e Justiça), tendo como exemplos mulheres virtuosas de todos os tempos.
É uma verdadeira enciclopédia de mitos femininos, criando novas versões para figuras legendárias da mitologia clássica e da Bíblia.
Neste livro, Christine contestou a obra “A Cidade de Deus” de Santo Agostinho de Hipona, publicada no ano de 426.
O surgimento das três Damas é poeticamente narrado no seguinte texto:
“Abatida por esses pensamentos tristes, eu baixava a cabeça de vergonha. Os olhos repletos de lágrimas, as mãos na face, apoiava-me no braço da poltrona, quando repentinamente vi cair no meu colo um feixe de luz, como se fosse um raio de sol penetrando ali, naquele quarto escuro, onde o sol nunca poderia entrar naquela hora; então despertei-me em sobressaltos, como quem acorda de um sono profundo. Erguendo a cabeça para olhar de onde vinha aquela claridade, vi elevarem-se diante de mim três damas coroadas, de quão alta distinção.”
Um trecho dessa obra diz o seguinte:
“Deus teve em seu eterno pensamento, a ideia do homem e da mulher. Quando quis trazer Adão à terra (…) o deixou dormindo e formou o corpo da mulher com uma de suas costelas, para significar que ela devia permanecer a seu lado, como sua companheira e não estar a seus pés como uma escrava e que ele haveria de amá-la como sua própria carne”.
Essa ideia era revolucionária para a Idade Média.
Outra frase deste livro mais ainda inovadora para a época:
“Sabes por que mulheres conhecem menos que homens? […] É porque elas são menos expostas a uma larga variedade de experiências já que precisam ficar em casa o dia inteiro em nome do lar. Não há nada como uma gama completa de diferentes experiências e atividades para expandir a mente de qualquer criatura racional.
2) Também em 1405 publicou o “Livro das Três Virtudes”.
Constitui uma sequência à construção da Cidade das Damas e tem por objetivo a educação de todas as mulheres, aparecendo novamente as Damas Razão, Retidão e Justiça.
Uma orientação bem pertinente se resume nesta frase:
“Ah, criança e jovem, se vocês conhecessem a bem-aventurança que reside no gosto do conhecimento, quão bem vocês seriam aconselhados a não reclamar da dor e do trabalho de aprender.”
Christine viveu num momento político turbulento, caracterizado por disputas de liderança na monarquia e no papado. Em meio à Guerra dos Cem Anos, vivendo na Côrte de Valois, redigiu obras de cunho político, ao vivenciar a devastação da França pelos ingleses.
O fato de ser filha de um membro da Corte de Carlos V concedeu-lhe uma educação aristocrata, através de tutoria. Teve acesso à Biblioteca Real da França, adquirindo conhecimentos.
As ilustrações de Cristina de Pisano estudando entre os livros, escrevendo e discutindo com homens em nítida posição de autoridade são surpreendentes e pouco comuns para a época.
Ela pertenceu ao meio intelectual e cultural que se desenvolveu na corte de Carlos VI, debatendo com nomes destacados do pensamento humanista francês, como Jean Gerson, Jean Montreil e Gontier.
Sua atuação foi considerada valiosa na Literatura, que não aconteceu em relação ao cânone filosófico.
Pela sua condição feminina, não teve acesso ao meio clerical e foi bloqueado seu acesso a uma educação formal universitária, razões que a impediram de ser valorizada no âmbito filosófico. Mesmo assim revelou em seus escritos conhecimentos detalhados de diversas obras filosóficas, como de Aristóteles, Tomás de Aquino e Santo Agostinho.
Em 1414 publicou O Livro da Paz – uma compilação sobre ética e sua recepção medieval. Essa obra se caracteriza como filosófica e política nos contornos de “espelhos de príncipes” com um profundo desejo de harmonia.
Mas a paz não se concretiza e, em decorrência da guerra civil, ela própria precisou se refugiar.
Em 1418 ela se retirou da Corte Parisiense e se abrigou num convento em Poissy, abandonando praticamente a carreira literária. Sua última obra em 1429 foi um poema louvando o heroísmo de Joana d´Arc.
“Quanto a nós, nunca ouvimos falar de tão grande prodígio,
pois as proezas de todos os valentes do passado
não podem ser comparadas com as dessa mulher.
Sua tarefa é repelir seus inimigos,
mas é Deus quem realiza isso, quem guia-a
e quem colocou nela um coração maior que o de um homem..”
Christine de Pizan faleceu aos 67 anos, em 1431, em Poissy, um pouco antes da condenação de Joana d´Arc.
Christine de Pizan é considerada antecipadora da Querelles des Femmes (traduzido como Queixas das Mulheres), expressão que designa um conjunto de textos de quatro séculos, em torno de uma unidade temática sobre igualdade entre homens e mulheres. O conteúdo da Querelle pode ser encarado em sua dimensão filosófica, segundo a qual a racionalidade é a mesma em homens e mulheres e, portanto, a capacidade de conhecer e de aprender não deve ser privilégio só dos homens.
Assim, Christine de Pizan foi escritora prolífica, produzindo mais de quarenta obras, todas em francês médio, em vários gêneros literários e para diversos públicos.
Deixou como legado, livros de instrução moral para o cultivo das virtudes, se consagrando como conselheira moral e política junto à corte francesa e, principalmente, defensora do sexo feminino.
Em 2007 foi criado o Grupo Interdisciplinar de Estudos Medievais (GIEM) – chamado Grupo Christine de Pizan com interesse nas pesquisas de obras medievais de autoria feminina. O grupo é brasileiro e tem o intuito de questionar e repensar o papel das mulheres na Historiografia da Literatura, da Filosofia, da Educação, da Medicina e demais áreas do conhecimento. https://grupochristinedepizan.com.br/
E a fundadora desse grupo, Luciana Calado Deplage lançou em 2022 o livro “Transculturalidade e Ensino: De Christine de Pizan à contemporaneidade” e um segundo volume em 2023, demonstrando que as ideias de Christine de Pizan continuam atuais e vão muito além da igualdade de gênero.
E para encerrar, uma frase que resume toda a proposta de vida de Christine de Pizam:
“Uma pessoa cabisbaixa e com pesar nos olhos não pode olhar para a luz.”