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  • Fonte: J.B. de Oliveira

38 João Baptista de Oliveira 91e11Um velho ditado adverte que “ouvir o galo cantar sem saber onde” é mau hábito. E muito mais comum do que sonha a nossa vã filosofia! O resultado disso são pessoas repetindo frases que, a rigor, não fazem nenhum sentido...

Aí vão alguns dos exemplos mais encontradiços.

Que linda criancinha não recitou esta famosa poesia: “Batatinha quando nasce esparrama pelo chão...”.

Cá entre nós: batatinha é uma raiz! Logo, fica enterrada e sem a mínima possibilidade de esparramar-se pelo chão. A frase correta – e que faz sentido – é: “Batatinha quando nasce espalha a rama pelo chão...”

Outra igualmente famosa – e desconexa – é a frase: “Cor de burro quando foge”! Isso leva a pensar, obrigatoriamente, que esse animal, ao fugir, tem cor diferente. Entre nós, humanos, o mudar de cor é comum. Pode-se ficar vermelho de raiva; roxo de frio; branco, de susto; amarelo, de medo (estas, então, poderiam ser cor de gente quando foge...). Porém, tanto quanto se saiba, quando foge ou não foge, o burro tem a mesma cor. E aí vem a expressão certa: “Corro do burro quando foge”! Porque aí – como se diz no interior – ele “desembesta” e pode ferir quem encontre pela frente...

E o que dizer de alguém que fala em “Meter os pés pelas mãos”? Seria isso possível? É evidente que não. Não há como fazer os pés serem enfiados mãos adentro. Ora, a ideia que se quer passar é a de uma situação de inversão total de ações ou atitudes, isto é: “Meter os pés pelas mangas”!

Bastante famoso também é o ditado: “Quem tem boca vai a Roma”.

Se se levar isso ao pé da letra, todo mundo irá à Cidade Eterna. Afinal, quem é que não tem boca? Uns as têm maiores, outros, menores, – apropriadas para fofocas e confidências, ditas “à boca pequena” – mas todos os seres animais possuem boca. Entretanto, a imensa maioria da humanidade jamais terá o privilégio de visitar a capital da Itália. A expressão tem origem no tempo em que Roma era senhora do mundo, e aos povos a ela submetidos só cabia um meio de mostrar sua insatisfação; VAIAR! Então: “Quem tem boca vaia Roma”! (VAI a Roma quem tem euros...).

Em minha infância (nem tão distante como julgam alguns...) eu me indagava como seria um pé de cachimbo, já que muitas vezes ouvi, e até repeti: “Hoje é domingo, pé de cachimbo”. A imaginação desenhava uma árvores com os cachimbinhos brotando em seus galhos, à espera de quem os colhesse...

Só muito depois é que vim saber que não há nenhuma árvore “cachimbeira” e que a frase é: “Hoje é domingo; pede cachimbo”...

Esdrúxula, esquisita e até nojenta mesmo é a afirmação de que um personagem é o retrato de outro: “Cuspido e escarrado”!

O que essas manifestações pouco higiênicas e nada educadas significam? Será que semelhança física exige algo tão nauseabundo? Se assim for, é melhor que o filho não se pareça nada com o pai. (Mas também é conveniente que não se pareça com o vizinho...).

Tão absurdamente distantes são a expressão primitiva e a versão que se repete por aí, que não há entre elas a mínima pertinência ou coerência. A origem é esta: “Esculpido em Carrara”!

Carrara, na região da Toscana, é célebre por seu excelente mármore, usado na Roma antiga para a  construção de um de seus mais notáveis monumentos: o Panteão. No Renascimento, além de utilizado por vários artistas, serviu de matéria prima para a Michelangelo esculpir a estátua de Davi.

Mais uma? “Quem não tem cão caça com gato”.

“Que raio de expressão estapafúrdia é essa? Alguém já ouviu falar de “gato de caça”? Claro que não. Mas de “cão de caça”, com toda certeza sim.” Este texto está em itálico porque é transcrição do texto anterior, e que esclarece a frase: Quem não tem cão caça COMO gato, isto é, sozinho.

Por isso, feliz e alheia a tudo isso, a moçoila do interior repetia o canto que ouvira – como ouvira – “Em casa de caboclo, um é porco, dois é boi: três animais...”

 

Do livro "Mostrando a língua":

Foi assim que iniciei a palestra-treinamento sobre Comunicação Humana que ministrei para um simpático grupo de professores do complexo educacional de minha ex-aluna e sempre amiga Elizabeth Garcia.

Todos disseram que — é claro — sabiam! Principalmente as mulheres. As mulheres, aliás, sempre sabem mais do que os homens! (Calma, meninas, “guardem a faca”! Não é ironia ou sarcasmo não. É a pura e sincera verdade: observo — e outros consultores também — que em seminários, workshops, cursos e palestras a participação feminina tem sido cada vez maior que a dos “marmanjos”... para alegria nossa!).

—    Bem, disse-lhes então, — vocês me responderam o que é doce de leite, mas eu lhes perguntei se sabiam o que é doce deleite! Vocês “leram” em minhas palavras uma frase construída com o substantivo doce (na verdade, adjetivo substantivado) mais a preposição de e o substantivo leite (cá entre nós, um substantivo precedido de preposição — no caso, de leite, forma uma locução adjetiva... mas deixem isso pra lá).

Numa outra experiência — ao proferir a palestra “Motivação para o Sucesso” dentro do Simpósio de Comunicação Social do Comando Militar do Sudeste — pedi aos participantes do encontro que observassem, na frase que ia proferir, como as palavras podem tomar sentidos distintos entre o Comunicador e o Receptor. A seguir, disse:

“Por falta de verba para alimentação, o Exército está com menos soldados!”

Ministrando Curso de Comunicação para Docentes e pós-graduandos do Instituto de Ciências Biomédicas da USP — sob a coordenação de minha amiga Professora Margarida Ayres — contei uma curta “história de paixão”, simbolicamente ocorrida em um campus universitário. O rapaz, estudante da área de Letras, apaixonou-se (ou — como dizia meu colega paraibano, da Escola Militar: “arriou de quatro pneu”...) pela menina da área de Medicina. Passou a escrever-lhe poesias, poemas, crônicas e cartas apaixonadas. Certo dia, logo pela manhã, entregou-lhe um soneto musicado. Entre surpresa e encantada, ela lhe perguntou:

—    Como você conseguiu compor algo tão bonito?

A resposta deixou-a muito preocupada — quase a ponto de determinar a internação do moço:

—    É que ontem à noite eu estava inflamado e compus!

Não há muito tempo, perguntaram-me se eu sabia quais eram os animais antidiluvianos.

—    TODOS! exclamei, convicto.

—    TODOS? Como assim?

—    Ora, ponderei, se pudesse ter sido feita uma consulta a todos os animais para saber quais eram a favor do dilúvio, não tenho dúvida de que a “resposta” seria unânime: TODOS seriam CONTRA. Logo, seriam ANTIDILUVIANOS. Agora se a questão é saber quais seres viveram ANTES do dilúvio, e desapareceram — como o mamute, o megatério, os dinossauros e que tais — estaremos falando dos animais ANTEDILUVIANOS!

Essas confusões podem ter origem em duas fontes distintas, contidas na Gramática Normativa da Língua Portuguesa.

A primeira, localizada na MORFOLOGIA, abrange as palavras HOMÔNIMAS e as PARÔNIMAS — isto é, aquelas que apresentam semelhança na escrita e na pronúncia, mas têm sentidos diferentes. É o caso de vocábulos como incipiente (principiante) e insipiente (que não sabe); cesta (vasilha) e sexta (numeral ordinal); retificar (reparar) e ratificar (confirmar); seção (divisão), sessão (reunião) e cessão (ato de ceder); caçar (esporte da caça) e cassar (suspender direitos); absorver (assimilar) e absolver (isentar de culpa) e por aí afora.

A segunda fonte está presente na FONÉTICA. A ORTOEPIA (ou ORTOÉPIA) é uma das três partes que compõem esta divisão da Gramática. É uma das “irmãs” menos conhecidas da ORTOGRAFIA. A outra — igualmente pouco conhecida — é a PROSÓDIA!

Todos nos lembramos da função da ORTOGRAFIA, não é mesmo? Ela cuida da forma correta (ortos) de escrever as palavras. Mas o que fazem as outras duas?

A PROSÓDIA cuida da exata acentuação fonética das palavras. Quando alguém muda a posição da sílaba tônica comete um erro de prosódia — ou uma silabada. É o caso de quem diz rúbrica em vez de rubrica; íbero em vez de ibero; filântropo em vez de filantropo etc.

A ORTOEPIA trata da pronunciação correta dos vocábulos, e ensina que devemos respeitar a inteireza e a individualidade de cada palavra, não a atrofiando ou emendando a outras!

É sabido que o Brasil é um dos maiores produtores e consumidores de café do mundo. Entretanto, o pó mais comum entre nós não é o pó de café, e sim o pó de chá! Basta pedirmos a alguém que faça alguma coisa, e lá vem o famoso “pó dexá”! Notem que absurdo: de pode deixar reduz-se para pó dexá! É bem verdade que nem sempre é essa a resposta. Às vezes ouve-se um sonoro “xá comigo”! Bastante comum, também, é o “tamos aí”...

Lá no “interiorzão”, quando uma mulher sente náuseas e enjôos frequentes, de causa desconhecida, sempre surge alguém “mais entendido” para recomendar:

—    “Ela carece de chá de nóis home!” — ou seja, chá de noz-vômica, cientificamente “strychnos nux-vomica” — também conhecida como “fava-de-santo-inácio”...

Ainda em classe, muitas vezes brinco nas aulas de Comunicação perguntando de supetão (e não de sopetão, como se ouve por aí. Ou — pior ainda, e eu já ouvi mais de uma vez, — “de chupetão”!) a um participante:

—    Setembro chove?

Quase invariavelmente ele responde, espantado: — Eu não! Fica evidente que ele entendeu: —

Cê tem brochove? Como ele nem sabe o que é brochove — mas imagina — sua resposta é pronta e firme: — Eu não!

A referência à “forma atual” do pronome de tratamento mais comum entre nós, permite lembrar que sua origem remota é o pronome respeitoso “VOSSA MERCÊ”, reduzido depois para “VOSMECÊ”, em seguida para “VOCÊ”, tendo-se convertido, em nossos dias, no atrofiado “CÊ” — ouvido a todo instante e em todo lugar!

Na esteira do “setembro chove” — aí já sugerindo frases em outras línguas — há estas tiradas:

—    O “a” tem som de “u?” — (“inglês”!)

—    Se aqui nevasse usava esqui?  — (“russo”!)

—    Comer suã faz suar? (Comê suã fá suá?) — (“francês!”)

Na verdade, nem precisamos “forçar a barra” recorrendo línguas distintas da nossa. O ex-presidente de meu Rotary Club — Alfredo Ferreira — que é Consultor e Auditor Contábil, atendeu um grupo de empresários portugueses interessados em investir no Brasil. Quando lhe perguntaram como era o imposto do PIS, ele fez uma explanação detalhada sobre o tributo. Explicou a natureza específica do Programa de Integração Social - PIS, seu percentual de incidência, procedimento de recolhimento e tudo mais que pudesse interessar. Terminada a exposição, ouviu apenas:

—    Obrigado, mas eu gostaria de saber é: QUAL É O IMPOSTO DO “PEÍS”, DO BRASIL!