Logo após ter surgido, o rádio mostrou seu fascínio e o que é o poder de sedução através dos ouvidos. Assim como no cinema, os programas de rádio se tornaram “fábricas de sonhos”, por ter como fator primordial, a imaginação. Como seria o rosto deste ou daquela artista de tão bela voz? O “poder da voz” passou a predominar.
A tecnologia fez destruir em parte esses mitos imaginários, especialmente a partir a chegada da televisão. Agora no século 21, com as webcans colocadas dentro dos estúdios das emissoras, podemos ver graças aos portais de internet, o rosto dos apresentadores. De todo modo, quem ainda possui o hábito de ouvir rádio, ainda presta atenção nos modos da colocação de voz e nos hábitos de cada apresentador ou apresentadora.
Diante dessas colocações se torna mais fácil entender os motivos do interesse despertado quando dos concursos de escolha das Rainhas do Rádio, nos tempos dos programas de auditório da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. O embrião desses concursos, surgiu em 1937, mesmo ano em que a Ditadura Vargas institucionalizou o Estado Novo.
Talvez por isso não tenha ocorrido uma eleição para a escolha da primeira Rainha do Rádio, que acabou sendo a cantora Linda Baptista (1919-1988). “O nome veio de um consenso entre os artistas”, explicou Reynaldo Tavares (1928-2017), autor do livro “Histórias que o Rádio Não Contou”. O "mandato" de Linda Batista, assim como o de Getúlio Vargas (1882-1954), foi longo. Durou 11 anos, até que em 1948, sua irmã Dircinha Baptista (1922-1999), acabou sendo escolhida como nova rainha. A polêmica, entretanto, se instalou no ano seguinte, quando a escolha passou a ser feita pelo voto popular e a vencedora foi a cantora Marlene (1922-2014), após acirrada disputa com Emilinha Borba (1923-2005). Tal situação fez das duas em eternas rivais.
Marlene, paulistana da Bela Vista, cujo nome de batismo era Vitória Bonaiutti, levou para o Rio de Janeiro, o patrocínio da Companhia Antárctica Paulista que havia colocado no mercado o Guaraná Caçula. Com o dinheiro pago pelo patrocinador, o empresário da cantora, comprou toda uma edição da Revista do Rádio, promotora do concurso, e mandou preencher os cupons com o nome dela. Desgostosa com a trama, Emilinha Borba, que tinha chances de vencer, retirou-se da competição.
Marlene foi eleita com 529.982 votos e no dia da entrega do prêmio, a cidade do Rio de Janeiro, amanheceu forrada de cartazes onde Marlene aparecia em uma foto, tomando Guaraná Caçula. Os fãs de Emilinha ficaram doidos e teve início a essa guerra entre as duas concorrentes, que passaram a competir na busca de títulos e homenagens, sempre no intuito de superar a adversária.
Quando Emilinha obteve o título de “A Favorita da Marinha”, Marlene não deixou por menos e deu o troco se tornando “A Favorita da Aeronáutica”. Mas se fizéssemos um ranking das Rainhas do Rádio da Nacional-Rio, nem Marlene e nem Emilinha sairiam vencedoras. Depois delas uma nova estrela passou a brilhar na Música Popular Brasileira.
A mais votada entre todas as Rainhas do Rádio, foi Ângela Maria (1929-2018), com mais de um milhão de votos. Só que depois da metade da década de 1950, pela influência da televisão, o Concurso Rainha do Rádio, entrou em decadência.
Ainda houve um esforço de se revitalizar a proposta. Em 1958, escolheram um galã e fizeram dele o “Rei do Rádio” para fazer par com Julie Joy (1930-2011), rainha eleita pelo público, mas não deu certo. O vencedor foi Francisco Carlos (1928-2003), cantor e ator de belas feições, chamado na época pelas fãs de “El Broto”, só que seu reinado não decolou. Este episódio também faz da história dos 100 anos do Rádio no Brasil.
CONCURSO RAINHA DO RÁDIO AO LONGO DA HISTÓRIA
VENCEDORAS:
1937 - LINDA BAPTISTA*
1948 - DIRCINHA BAPTISTA**
1949 - MARLENE - 529.982 VOTOS
1951 - DALVA DE OLIVEIRA - 311.107 VOTOS
1952 - MARY GONÇALVES - 744.826 VOTOS
1953 -EMILINHA BORBA - 691.515 VOTOS
1954 -ÂNGELA MARIA -1.464.996 VOTOS
1955- VERA LÚCIA- 565.636 VOTOS
1957- DORIS MONTEIRO- 875.605 VOTOS
1958- JULIE JOY- 350.421***
(*, **) - Não houve eleição para a escolha das duas primeiras rainhas do rádio
(***) – Eleita ao lado de Francisco Carlos
Geraldo Nunes, jornalista e escritor, ocupa a cadeira 27 da Academia Cristã de Letras