Dissensão na Academia
O registro ora relatado com relação à eleição do ilustre médico Eurico Branco Ribeiro, na ocasião membro de várias entidades, inclusive da Academia Paulista de Letras, se reveste não somente de finalidade histórica, mas muito mais pedagógica, preventiva e profilática.
Ao ensejo da eleição do acadêmico Eurico Branco Ribeiro, em 23 de outubro de 1975, o confrade Sérgio Carlos Covello dissentiu da Academia, deixando abruptamente a sessão e formulando verbalmente seu pedido de demissão. Covello não concordava que Eurico, por ser espírita, adentrasse na Academia Cristã de Letras. A demissão de Sérgio Covello não foi concedida, visto que o Estatuto não admitia essa possibilidade, porém, o acadêmico, não obstante os apelos em contrário de todos os confrades presentes, abandonou o recinto, não mais comparecendo às reuniões.
Eurico Branco Ribeiro faleceu em 1o de março de 1978. Foi fundador e titular da cadeira no 27, tendo como patrono São Lucas, e empossado em 27 de novembro de 1975.
A Academia Cristã de Letras, por intermédio de seu presidente, acadêmico Alcindo Brito, tributou-lhe as devidas homenagens.
O confrade Hugo Beolchi Junior, representando a Academia Cristã de Letras, participou das homenagens póstumas prestadas ao saudoso confrade Eurico Branco Ribeiro pela Associação Paulista de Medicina e pela Sociedade Brasileira dos Escritores Médicos, em 26 de abril de 1978, quando teve ensejo de proferir magnífica oração sobre a personalidade do ilustre homenageado.
A propósito, tem-se abaixo transcrito o trabalho do presidente Alcindo Brito, sob o título “O Acadêmico”, publicado no número especial da revista Vida Rotária, dedicado a Eurico Branco Ribeiro, como sócio que fora do Rotary Club de São Paulo:
As minhas relações de amizade com Eurico Branco Ribeiro remontam ao ano de 1948, mas o relacionamento social vinha desde 1933. A partir de 1948 tornamo-nos amigos e isso constituiu para mim uma felicidade, perdida agora com a sua morte.
Neste número especial de Vida Rotária, dedicado à sua memória, outros falarão do homem, do cidadão, do cirurgião, do pesquisador incansável a das voltas pelo mundo, do diretor de uma Casa de Velhos, falarão, enfim, das múltiplas facetas da personalidade do rotariano – e em todas se destacou servindo à Humanidade, à Ciência, à Literatura, à Caridade e ao Rotary –, falarei eu apenas da sua breve e produtiva passagem pela Academia Cristã de Letras a que, como em todos outros setores a que foi chamado a colaborar, serviu com grandeza e desprendimento.
Aquiescendo ao meu convite candidatou-se à Cadeira número 27, sendo eleito por unanimidade, exceto o voto de um Acadêmico jovem, inteligente, ardoroso e impulsivo, que não se conformando com o resultado da eleição – justo resultado – pediu demissão.
A demissão não foi concedida, nem poderia o pedido ser levado em consideração, por isso que a investidura acadêmica é vitalícia e irrevogável.
Eurico soube da resolução do Confrade dissidente, da qual os demais não puderam demovê-lo e escreveu ao Presidente, enviando cópia da carta a todos os Acadêmicos, renunciando ao direito já conquistado pela eleição unânime e pela posse, realizada em sessão solene a que compareceram altas autoridades e figuras exponenciais da Ciência, das Letras e da Sociedade.
Ao pedido de renúncia respondi com a seguinte carta:
“Acuso o recebimento de sua carta de dezembro pp., dirigida por igual a todos os confrades da Academia Cristã de Letras.
Respondo-a na minha função de Presidente e estou certo de que, neste passo, interpreto fielmente os sentimentos e a vontade de todos os Acadêmicos, exceto, talvez, a de um único dissidente.
Ao contrário do que declara em sua carta, não foi a sua pessoa que determinou um ambiente de discórdia.
Discórdia seria o desentendimento de uns com os outros e isso não aconteceu. De um lado ficou um jovem Acadêmico relutante e do outro lado, coeso, o grupo presente à eleição, na mais perfeita concórdia.
Sua eleição contou com a unanimidade dos Acadêmicos que a ela compareceram, constituída pela maioria dos que integram a Academia. Estavam presentes amigos do contestante, membros fundadores que, com voto a descoberto, votaram no seu nome.
Estou certo de que sua carta foi inspirada pela sua correção e altivez e teve o propósito de deixar a Academia à vontade.
Desejo testemunhar-lhe que a Academia está completamente à vontade com a sua admissão mais coesa do que em qualquer outro tempo, trabalhando em completa harmonia e satisfeita em contá-lo como um dos seus elementos.
Os novos Estatutos estão sendo trabalhados pelo nosso eminente confrade Ruy de Azevedo Sodré, o que constitui garantia de que vamos ter uma Carta à altura da Academia.
Empenho-me decididamente em contar com a sua colaboração ativa, suas luzes e sua presença.
Antes do recebimento de sua carta sob resposta já eu tinha mandado levar ao correio cartas aos Acadêmicos, convocando-os para uma reunião no próximo dia 8.
Renovo o convite e conto com a sua presença.
Cordiais saudações e afetuoso abraço.”
* * *
Eurico atendeu às razões do Presidente e passou a trabalhar com entusiasmo e constância como era do seu feitio.
Foi eleito Presidente da Comissão de Admissão, uma tarefa difícil que o obrigava a ler os livros dos candidatos à eleição, examinar-lhes o curriculum e opinar sobre a admissão.
Já doente e imobilizado, recebia os processos, que eu próprio levava, sempre com a mesma alegria e disposição.
Por ocasião das minhas visitas demonstrava interesse por tudo que ocorria; pedia notícias de cada um dos confrades, falávamos de livros, de congressos, de banalidades, e eu continuava a dar-lhe incumbências, convicto de que lhe fazia bem ocupar-se daquilo que foi a constante da sua vida: servir.
Numa dessas visitas falou-me longamente do livro que estava escrevendo, já em fase final, Fui Um Dos Setenta, cuja publicação ainda o alcançou em vida, dedicado aos confrades da Academia Cristã de Letras, Academia Paulista de Letras, Sociedade Brasileira de Escritores Médicos, PEN Centro de São Paulo e União Brasileira de Escritores.
Que comovente despedida do espírita convicto que não tinha medo de morrer!
A Câmara Municipal de São Paulo e a Assembléia Legislativa congratularam-se com a Academia pela eleição de Eurico. Foi um acadêmico exemplar, cujo falecimento encheu a todos os confrades de mágoa e desolação.
A Morte é a suprema lei da Vida, mas mesmo assim eu penso como desfalcada está a Academia sem a presença de Eurico.
Imortal de duas Academias, deixou uma profunda saudade e uma lembrança grata e afetuosa em todos os seus confrades da Academia Cristã de Letras.
Alcindo Brito - Presidente