Na era hodierna há muita ênfase à comunicação através das mais diversas mídias digitais, onde se verifica a predominância de um novo idioma, o “internetês”. Surgido no ambiente da Internet, nos anos 1990, caracteriza-se pela informalidade, simplificação, dinamismo e rapidez nas conversações. Além de apócopes pela quebra excessiva de palavras, aglutinações de fonemas, abusa-se dos “emoticons”, símbolos ou figurinhas que pretendem traduzir o que se quer expressar ou sentir.
No “internetês” verifica-se uma despreocupada agressão ao vernáculo, pois desconsidera-se a acentuação de vocábulos; abreviam-se desmedidamente palavras e até se torna irrelevante a falta de concordância gramatical, se é que esses hieróglifos justapostos se possam chamar de gramática. Será que nesse ambiente a língua oficial de cada país sobreviverá? Haverá espaço para escritores e, particularmente, poetas no futuro!?
A propósito, a linguagem literária – a maneira escorreita de se expressar por escrito – sempre foi considerada também uma arte, entendida como capacidade especial; aptidão, jeito, dom, talento, habilidade...
Padre Paschoal Rangel (1922-2010), ilustre intelectual que foi membro da Academia Mineira de Letras, assim se referiu: “A arte está relacionada, primariamente, com o fenômeno criativo. Não é apenas o sentimento estético diante do belo. É sobretudo a tentativa de fazer, de produzir o belo. Não tanto reproduzir o belo da natureza, mas criar um novo belo a partir de nossa capacidade de incorporar o humano nas coisas, pela nossa intuição.
Por si, a arte é um fazer, um criar algo material, perceptível aos sentidos, que se expresse e materialize na obra de arte.
A obra de arte deve comunicar alguma coisa, mas pode e talvez deva deixar ao receptor a capacidade de se excitar, de se sensibilizar diante dela e talvez interpretá-la e senti-la a seu modo, criativamente também”.
A arte de se expressar em versos surgiu em tempos imemoriais e é considerada anterior à escrita, pois era mais fácil, mnemonicamente, guardar o conhecimento através de palavras repetíveis. Provavelmente, a poesia surgiu para ser cantada, por isso a preocupação com a estética, a métrica e a rima.
Os primeiros registros em versos foram encontrados em monólitos de primevas culturas letradas. Assim, essa forma de expressão foi utilizada em obras dos vedas indianos (1700-1200 a.C.), bem como nos “Gathas”, que consistem em 17 cânticos ou hinos, que foram compostos numa língua iraniana oriental pelo profeta Zaratustra (Zoroastro, 1200-900 a.C.).
Alguns atribuem a criação da poesia a Bardus Poéticus, escravo da antiga Grécia, que viveu no século XX antes da Era Cristã. Ele, em suas horas de lazer, ficava observando o pôr do sol. Achava que a alvorada era o maior espetáculo da terra, sendo encenado quando a plateia ainda estava dormindo, inclusive ele!
Admiro de modo mui particular os poetas, pois conseguem manifestar seus sentimentos, visões, interpretações em versos, forma essa difícil para mim.
O poeta e literato Lêdo Ivo (1924-2012) escreveu em seu livro “Confissões de um Poeta” (2014) alguns dos atributos de um vate: “Dar um sentido à vida e uma forma à realidade, eis dois deveres essenciais do poeta.”; “O poeta cria o que contempla.”; “Assim como não temos um corpo (somos o nosso corpo) a poesia não tem uma forma. É a sua forma.”; “As palavras são os espelhos das coisas.”; “Enganam-se os que julgam ser o estilo uma conquista. É um dom.”; “O poeta deve criar as suas próprias regras.”; “Talvez o melhor conselho seja este: não perguntem nada a ninguém.”.
Acredito que os poetas, além de terem uma sensibilidade acurada, sejam também portadores de uma percepção diferenciada da realidade, das circunstâncias e do mundo que os cerca, “pintando-os” e evidenciando-os artisticamente em matizes na composição de cada verso que redigem. Por vezes, até parece que vivem no mundo paralelo ou alheio ao dos reles mortais! Para o grande vate paulistano Paulo Lebéis Bomfim (1926-2019), imortal da Academia Paulista de Letras, alegoricamente, “o poeta é um médium recebendo a si mesmo”.
O escritor mineiro Carlos Scheid interrogou certa feita se a poesia não estaria no olhar? E não deixa de ter sua razão, pois o poeta vê aquilo que passa despercebido aos olhos do cidadão comum, habituado a olhar cartesianamente (objetivamente) as aparências, de forma superficial, corporal, materialista, temporária, calculista... deixando de interpretar com colorido artístico os mistérios que subjazem na essência das coisas, fatos e pessoas.
Assim, de certa forma, os vates em seus versos retratam... sugerem... insinuam... acentuam... subtraem... multiplicam... aludem... sintetizam... enaltecem... evidenciam... emolduram... particularidades do cotidiano e da vida. Neste contexto, faz-se oportuno aduzir outro pensamento de Paulo Bomfim: “O poema nasce da alma do poeta e se completa no coração do leitor”.
O saudoso sobramista e abramista carioca Luiz Gondim de Araújo Lins (1933-2020) dizia que “os poetas não pertencem a ninguém, nem a si próprios. São itinerantes contumazes das estradas afetivas, mas não têm pouso. Os poetas são polêmicas figuras, por vezes, andam às escuras, mesmo sob sol escaldante. Atingem as dimensões da lua, transmitem gritos da alma nua e são imprevisíveis a cada instante”.
O poeta é um ser especial, não tenho a menor dúvida!
1 Nota: Este trabalho foi contemplado com o terceiro lugar na categoria acadêmica, modalidade “ensaio”, no concurso anual da Academia Brasileira de Médicos Escritores – Abrames, Rio de Janeiro, novembro de 2024. Anais do XXIX Congresso da Sobrames e XII Congresso da Umeal, Recife (PE), 16-19 de outubro de 2024, páginas 167-169.