Quando criança e à mercê de meus pais, sempre tivemos – eu e meu irmão Pedro, dois anos mais novo, posteriormente minha irmã Silvana, pois veio oito anos depois dele – férias desfrutadas no litoral. O primeiro local era um apartamento minúsculo, com pouca ventilação, que hoje, excetuando-se seu pé direito convencional, mas levando-se em conta seu diminuto espaço e exiguidade de divisórias, bem que poderia ser classificado sofisticadamente como “loft”, termo completamente desconhecido naquela época. Localizava-se na Praia do Gonzaga, em Santos. Era o máximo, apesar do pouco conforto. Naqueles tempos ignorávamos o que isso significava e ficávamos sempre ansiosos para que pudéssemos dele desfrutar.
Um pouco atrás do edifício havia uma estrada de ferro e, quando coincidia, gostava de ver o trem de carga passar duas vezes por dia: pela manhã, bem cedinho, e no final da tarde.
Nunca me esqueço de que numa das férias que lá passamos houve um incêndio nesse prédio, que começou uns três andares acima do nosso. Felizmente não era de grandes proporções, e a pronta ajuda dos bombeiros minimizou o estrago, mas todos os veranistas e a circunvizinhança ficaram alarmados.
Posteriormente, quando eu tinha uns dez anos começamos a frequentar a Cidade Ocian, na Praia Grande. Era uma colônia de férias simples, com boa parte de suas dependências construída em madeira, que, diferentemente do prédio em Santos à beira-mar, quedava-se longe da praia, fazendo com que caminhássemos uns 40 minutos para ir e outro tanto para retornar. O ponto central dessa praia e que nos servia de referência era uma estátua de Netuno (Figura 1), que na mitologia romana significava o deus dos mares e oceanos.
Passados mais uns cinco a seis anos, meus pais permaneceram no mesmo município da Praia Grande, mas transferiram-se para o bairro do Boqueirão, numa de suas principais avenidas e a cerca de oito minutos da orla marítima, vencida facilmente por uma caminhada sossegada. Aí haviam adquirido um apartamento de dois dormitórios. Eu estava numa fase de transição entre a adolescência e a juventude. Como tinha bons amigos, cujas famílias em sua maior parte eram conhecidas de meus pais, e, por sua vez, eles sempre nos deram liberdade e confiavam em nossas atitudes, ia com meus amigos frequentemente para lá, e esses foram outros bons tempos que tive no litoral.
Passados mais seis a oito anos meus pais venderam esse apartamento e compraram outro ainda maior, num prédio quase que em frente ao anterior, nessa mesma avenida. Lembro-me que aí pude desfrutar juntamente, com minha esposa Aida, de diversos e bons momentos com nossos primeiros dois filhos (Figuras 2 a 7)
Figuras 2 a 7 – Flagrantes da época (1981 a 1985) no apartamento de meus pais, no bairro do Boqueirão, na Praia Grande.
O tempo passou e meus pais resolveram mudar de município, optando por Guarujá. Com a venda do apartamento na Praia Grande, compraram outro em frente ao mar, numa pequena colina da Praia das Astúrias, local onde eles, seus filhos e netos têm desfrutado de bons momentos de lazer.
A minha esposa, ao seu modo, também desde criança gozou de agradável lazer com sua família nas praias no litoral de Santa Catarina, como também nas de São Paulo, em Santos e no Guarujá. Essa nossa herança comum, associada ao espírito poupador de nossos pais, fizeram com que, depois de casados, sempre almejássemos um espaço nosso, no litoral, para que igualmente pudéssemos oferecer aos nossos filhos um pouco do que havíamos tido na infância, adolescência e juventude.
Com nossa poupança e a orientação e ajuda de nossos pais começamos a sondar, durante aproximadamente um ano, locais no litoral paulista onde pudéssemos comprar algo que estivesse ao nosso alcance. Era só não estar a trabalho, nos finais de semana, colocávamos nossos dois filhos no banco de trás do carro e percorríamos praias, pesquisando imóveis. Na maioria das vezes íamos e voltávamos no mesmo dia, porém, noutras, pernoitávamos na cidade, a fim de visitarmos mais locais e aproveitar ao máximo o tempo que não era muito. Nessa saga estivemos em inúmeras praias dos municípios de Peruíbe, Itanhaém, Praia Grande, Guarujá, Caraguatatuba, Ilha Bela, Ubatuba e, em algumas dessas cidades, diversas vezes. Almejávamos, além de um preço acessível, um local mais sossegado e preferencialmente fora dos tradicionalmente mais procurados.
À medida que o tempo passava íamos nos seduzindo pelo litoral norte paulista, preferencialmente pela cidade de Ubatuba. Numa de nossas últimas idas convidei meu pai para que ajudasse na escolha, pois ele, além de gostar de visitar imóveis, tinha um bom discernimento daquilo em que realmente valia ou não a pena investir. Dentre suas máximas dizia: “O melhor imóvel para se comprar é aquele que mais facilmente reúna condições para se vender”, ou seja, aquele que melhor liquidez proporciona.
Lembro-me que pernoitamos numa pousada chamada Beija-Flor, situada numa encosta da Praia da Enseada, em Ubatuba. O local pertencia a um casal francês. Embora fosse rústico e simples, era bem cuidado com detalhes de quem tinha bom gosto, apreciava o belo e a estética.
Naquele final de semana não demos trégua. Visitamos diversos apartamentos que não passavam pelo crivo exigente do meu pai. Fazia um tempo feio – sem sol, nublado e chuvoso, o que por si só já deixa tudo mais triste. Estávamos pensando em retornar quando soubemos que próximo dali, na Praia do Perequê-Mirim, havia um chalé à venda dentro de um condomínio.
Era quase final de tarde e chovia continuamente. Entrei inicialmente sozinho, a fim de poupar minha esposa e meu pai da aguaceira que desabava. Surpreendi-me com o local apesar do tempo sombrio. O nome do condomínio era Taba e constituía-se de três blocos com quatro apartamentos cada: dois no piso térreo e dois no primeiro andar. Os blocos eram dispostos em “u”, tendo ao centro uma piscina. Na outra extremidade do “u” havia um chalé assobradado, feito para o dono do empreendimento morar. O entorno da piscina e das edificações era muito bem arborizado e florido, o que dava um paisagismo encantador.
Achei que valia a pena minha esposa e meu pai se molharem na chuva e darem uma olhada. Surpreendi-me, particularmente com a opinião do meu pai, acenando que aquele era o melhor imóvel de todos que tinha visto.
Com nossa poupança e a colaboração de nossos pais conseguimos comprar, em maio de 1985, um chalé do Condomínio Taba, na praia do Perequê-Mirim, em Ubatuba.
Ubatuba, na língua tupi, significa “lugar de canoas, que é o nome de uma espécie de cana”. É uma cidade que tem história secular. Seus domínios foram fertilizados por missionários diletos e dedicados. Há cerca de 450 anos, o jesuíta e beato José de Anchieta (1534-1597) escreveu o “Poema em Louvor à Virgem Maria”, com 5.732 versos, alguns dos quais traçados nas areias das praias da então Iperoig, hoje, Ubatuba!
Por sua vez, Perequê-Mirim no idioma tupi quer dizer “pequena entrada de peixes para alimentação ou desova”.
Se dentre as mais de 84 praias de Ubatuba – populares, paradisíacas, selvagens e indômitas –, quer do continente quer de suas belas ilhas tivesse de eleger a mais bonita, não teria dúvida em apontar a de Perequê-Mirim. Trata-se de uma praia de pequena extensão – cerca de uns 800 metros – e, paradoxalmente, cercada por montanhas no seu quadrilátero, ou seja, o mar parece que está aprisionado como uma lagoa. Quem se coloca de frente para o mar em quaisquer pontos de sua metade esquerda, além da Serra do Mar que se situa atrás, visualiza montanhas não somente nas duas laterais, mas também à frente, não percebendo a comunicação à esquerda para o mar aberto. Como é uma região abrigada, geralmente as águas são plácidas, com poucas ondas, transformando o mar num verdadeiro tapete de tonalidade verde-escura. Também na frente, à direita, encontra-se o Saco da Ribeira, pequena enseada onde há diversos píeres e poitas para ancoradouro de lanchas e barcos a vela, além do Iate Clube de Ubatuba, que proporcionam em seu conjunto uma visão muito agradável. Enfim, a praia parece um quadro pintado a óleo, só que é real, pintado pela natureza e adornado pelo homem (Figuras 8 e 9).
Quando compramos um chalé no Condomínio Taba, o Enrico, nosso filho mais velho, tinha cinco anos; o Bruno três; e a Giovanna só nasceria três anos depois. Sempre que podíamos íamos para lá. Eles passaram boa parte da infância, adolescência e juventude no Perequê-Mirim (Figuras 10 a 16).
Foram bons e diversificados momentos que tivemos e temos tido em Ubatuba: passeios de lancha; visitas a praias pouco acessíveis; mergulhos; conhecimento e reconhecimento das ruínas do antigo Presídio da Ilha Anchieta; idas ao Aquário e ao parque de diversão da cidade, assim como a Parati, município fluminense que dista uns 80 quilômetros de lá; conscientização in loco do Projeto Tamar de proteção e pesquisa das tartarugas marinhas; passatempo e caminhadas em diversas praias como a da Fazenda, Puruba, Prumirim, Almada, Itamambuca, Félix, Vermelha, Tenório, Itaguá, Enseada, Lázaro, Sununga, Domingas Dias, Lagoinha, Toninhas, Santa Rita, Flamengo, Flamenguinho, Sete Fontes, Dura, Bonete, Fortaleza, Brava e Praia Grande dentre tantas outras.
Naquele encantado tempo, conseguíamos reunir nossos filhos e mantínhamos o controle da situação. Seguiam-nos e os seguíamos. Caminhávamos reunidos. Tínhamos o ledo engano de acreditar que nossos filhos eram realmente nossos. Doce feitiço daqueles bons momentos que juntos tivemos no Perequê-Mirim!
1 Concluído em dezembro de 2012.