Quando nossa geração curso u o CPFO, o Curso Preparatório de Formação de Oficiais, equivalente ao ensino médio, na Academia de Policia Militar, entre 1977 e 1978, a Escola ainda não havia incorporado seu topônimo de "Barro Branco".
Foi em 1980 que nosso Comandante, o querido e inesquecível coronel Irahy Vieira Catalano, conversando com um primo coronel do Exercito, foi por este alertado que a Academia Militar utilizava o topônimo de Agulhas Negras. Se nossa Escola pensou o coronel Irahy - estava assentada em um sitio histórico, a Invernada do Barro Branco, utilizada para a engorda dos cavalos de nossa Instituição desde 1832, por que não adotar o nome " Barro Branco", incorporando-o ao nome original.
Assim, somente em 1980, adotou-se o nome atual da escola: Academia de Policia Militar do Barro Branco. No CPFO, além das 23 matérias obrigatórias, uma eletiva se destacava.
Toda terça feira a noite, os católicos se reuniam no Salão Nobre, orientados pelo tenente João Benedito Velani.
Enquanto nosso professor, duas coisas marcantes aconteceram: o padre João foi promovido a capitão e uma sentença judicial corrigiu o seu nome de família para Vilano.
Por duas horas, toda terça, ele nos enchia a alma com sua bondade, humor e simpatia, quando nos falava de ética e filosofia, dos desafios da modernidade, além de trazer fundamentos dos textos sagrados, da liturgia e da história da Igreja para conhecimento de uma turma muito assimétrica em suas origens e formação religiosa.
Mas não era só o capitão Vilano quem contribuia com nossa formação. Às quartas e quintas, ali estavam o capitão Paulo de Tarso Augusto, um pastor metodista, um homem santo que comandava nossa companhia, por vezes acompanhado de seus pequenos, o Paulo Junior, futuro coronel e jurista, e a Paula, uma professora magistral, hoje esposa de nosso companheiro de turma, o coronel Rohrer.
E na outra noite, o genial e erudito tenente Jorge Luiz Marino, falava sobre espiritualismo.
Os alunos podiam escolher, mas deveriam frequentar uma das três aulas eletivas.
Nunca soube de nenhum aluno que houvesse invocado o direito de não frequentar uma das aulas, embora houvesse ente nós ateus, budistas e judeus.
Pelo contrário, o mais comum era frequentarmos regularmente uma das aulas e, sendo possível, assistirmos também as que não havíamos eleito.
Os três instrutores, de altíssimo nível, nunca falavam em denominação, nem faziam proselitismo.
Falavam, sim, em unidade e tolerância. Importante era que todos soubessem que, numa missão tão difícil como aquela que nos preparávamos para enfrentar, de comandar profissionais no duro enfrentamento ao crime, somente a crença em um Ente Superior e em Sua Justiça poderia nos amparar e guiar nossas decisões, nos momentos mais dramáticos de nossas vidas.
E Pudemos constatar isso posteriormente. O tempo passou e, em 1980, já éramos alunos do segundo ano do Curso de Formação de Oficiais.
Nossa "Jornada" era o ápice do treinamento anual, e consistia de uma grande manobra de Defesa Territorial, que durava cinco dias.
Naquele ano, a Jornada seria realizada em Caieiras, em um antigo polo extrativista desativado do grupo Matarazzo. Numa tarde, o padre João chegou ao acantonamento.
O Comando havia previsto a celebração de uma missa para os alunos e a comunidade. A comunidade escolhida, residente nas imediações, era muito pobre, mas recebeu com alegria a notícia e compareceu em peso à missa.
O altar foi montado de modo improvisado, com ajuda, entre outros, do Codelo e do Mariano, dois ícones dentre os cadetes católicos e que, 40 anos depois, já coronéis veteranos, continuam dedicando-se ativamente à música sacra, à evangelização e ao serviço ao próximo.
Juntos, escolhemos canções muito conhecidas, emprestamos um violão de um morador e montamos um coro improvisado.
Eu, lembrando de minha infância em Araras quando ajudava o monsenhor Queria e o padre Lanza, fui escalado como coroinha do padre João.
Chegou o momento do Ofertório. Em um ambiente profundamente espiritualizado, na humildade e despojamento daquele altar, que tinha por capela a natureza ao fundo, chegou o momento do sacerdote preparar o vinho para a consagração.
Súbito, um impasse: faltou a galheta com água, essencial ao culto católico.
O vinho iria transmutar-se no próprio sangue de Cristo - tomai e bebei, todos vós.
Este É o Meu sangue, que será derramado por vós e por todos, para a remissão dos pecados"). Seria necessário que, no Ofertório, o sacerdote adicionasse uma única gota d'água ao vinho, representando nesse ato a presença de toda a humanidade, contemplada pela Salvação, naquele sacrifício que se repete a cada missa.
E não havia água! Súbito, um cadete tirou seu próprio cantil do cinto e o entregou ao coroinha. Este o entregou ao sacerdote.
E de seu interior, uma gota d'água adicionou-se ao vinho. Na simplicidade daquele gesto, toda a grandeza do amor de Deus pela humanidade, à qual entregou seu próprio Filho para ser sacrificado, por nossa Salvação.
Nenhum de nós jamais pôde esquecer daquela que foi a missa mais improvisada, mais humilde, mais comovente de nossas longas vidas de soldados.