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*Geraldo Nunes

Foi com grata surpresa que recebemos o convite de Rosilda Portas, presidente da Código Simbólico - Associação Sociocultural do Porto, em nossa Pátria-Mãe Portugal, para escrever um artigo sobre Thais Matarazzo, na Vª Mostra Brasil, realizada em Lisboa no ano passado. Pudemos assim ressaltar a importância da escritora, poeta e jornalista que nos deixou cedo, aos 40 anos, em 13 de janeiro de 2023.

“Somos gratos a ela por tudo de bom que realizou em prol da literatura e da união entre Portugal e Brasil”, enfatizou Rosilda, durante nossa conversa.

Um ano depois de seu passamento escrevo novamente sobre Thais Matarazzo, para ressaltar a importância do legado deixado por ela. Thais foi acima de tudo, uma batalhadora. Lutou com firmeza contra a doença que a acometeu e, sem esmorecer, tocou adiante os projetos de sua Editora Matarazzo, criada em 2015, após recusa dos editores em publicar suas obras que de maneira singela tratam assuntos sensíveis, mas pouco convencionais para aqueles que buscam apenas lucros comerciais e se esquecem de questões históricas contadas através da memória afetiva das pessoas que nos rodeiam.

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Durante quatorze anos a apresentamos nos finais de semana, por uma emissora de rádio da cidade de São Paulo, onde nasceu e viveu Thais Matarazzo, um programa de entrevistas sobre reminiscências, saudades e lembranças chamado “São Paulo de Todos os Tempos”. Corria o ano de 2003 e em uma das edições recebemos a cantora Denise Duran. A artista chegou acompanhada de uma jovem que seguiu conosco ao estúdio, a princípio somente para assistir à gravação, mas entre as conversas percebi o desembaraço daquela moça ao se referir aos assuntos do passado. Com muita propriedade, sabia nomes, lugares, datas. Era Thais Matarazzo, então com 21 anos.

Nascida em 30 de maio de 1982, ela nos surpreendeu naquela manhã ao dizer que estudava engenharia civil e iria se formar naquele ano. Foi quando sugerimos para após término daquele ciclo, que iniciasse seus estudos no jornalismo para poder colocar nos textos todos aqueles assuntos que apenas ela sabia, como por exemplo, os nomes e a trajetória artística de antigas cantoras do rádio paulista das décadas de 1920 a 1960, praticamente esquecidas do público atual.

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Cinco anos depois, em 2008, Thais me telefonou para dizer que havia seguido o conselho e estava por concluir a faculdade de jornalismo e o seu Trabalho de Conclusão de Curso – TCC se transformara em um livro, cujo prefácio fazia questão fosse escrito por nós: “Música Popular no Rádio Paulista, 1928-2013” dá título à sua primeira obra, sobre a qual fizemos as seguintes considerações “... Thais Matarazzo foi buscar nas profundezas dos arquivos de jornais, revistas e discotecas, as informações que ninguém mais tinha. De leitura fácil e envolvente, o interesse pelo livro cresce a cada página ao
realçar aspectos de comportamento de uma sociedade paulistana tão diferentes da atual. O trabalho desta jovem escritora servirá como fonte de pesquisa para futuros estudiosos de nossa história tanto da música, quanto da memória nacional...”

Depois deste primeiro trabalho vieram outros 40 livros com sua assinatura, todos recheados com pesquisas históricas repletas de afeto. A partir da criação de sua editora,

Thais Matarazzo passou a dar oportunidades a novos autores com a promoção de coletâneas sobre temas ligados à nossa memória afetiva. O catálogo de sua editora chegou a mais de 200 livros e Thais se transformou em uma escritora renomada.

Convidada, participou de vários congressos e ciclos de conferências sobre literatura no Brasil e em Portugal. No ano de 2017 organizou o projeto literário internacional “Cá entre nós: Brasil & Portugal”, com lançamentos e apresentações das obras envolvidas nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Lisboa e Porto. Ao experimentar um novo estilo, a autora ingressou, em 2018, no mundo das crônicas com “O Porto e Eu”, “O Rio e Eu: crônicas de uma paulistana” e “São Paulo: Presença da Saudade”, “Três cidades que falam alto ao coração de Thais Matarazzo”, o 1º e o 3º volume tiveram prefácio do saudoso e querido poeta Paulo Bomfim. Passou depois a correspondente acadêmica da Academia Maceioense de Letras (Alagoas-Brasil), na qual ocupou a cadeira número 5 e logo após, passou a fazer parte da Associação Portuguesa de Poetas, em Lisboa.

Thais partiu antes da hora, ninguém sabe os desígnios de Deus, mas sua ausência é sentida e ainda fere nossos corações. Seu nome já foi citado em nossas tertúlias literárias da Academia Cristã de Letras, bem como em outras casas acadêmicas tanto do Brasil quanto de Portugal. Livros de sua cepa tendem com o tempo a entrar para a lista dos clássicos, especialmente os títulos; “Fado no Brasil - Artistas & Memórias”, “Artistas Negros da Música Popular e do Rádio”, “Abandonados na Roda” que trata das crianças enjeitadas e recolhidas pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, até 1950
e “Vovó do Pito e o Menino Paulo”, publicado em 2021. No seu último livro, lançado em 2022, “Alegria e Gratidão – Palavras de um Coração”, a autora focaliza sua própria doença em linguagem firme, direta, mantendo a conversa sempre em alto astral.

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A escritora teve como incentivadores literários não apenas este jornalista-radialista, mas os renomados escritores/poetas Tatiana Belinky (1919-2013) e Paulo Bomfim (1926-2019), entre outros. Thais Matarazzo será para sempre lembrada por nós e por todos que amam a literatura.

*Geraldo Nunes, jornalista, radialista e escritor, ocupa a cadeira 27 da Academia Cristã de Letras – ACL e cadeira 26 da Academia Paulista de História - APH