Slide

Márcia Etelli Coelho

 

Que médica sou eu?

Que amenizo tantos sofrimentos, mas não consigo sanar minhas próprias dores...

Que curo tantos estranhos, mas vejo a vida se esvanecer justamente nas pessoas que mais amo.

Que oriento mais com palavras do que com exemplos.marcia ettelli coelhoreinalr

Que prescrevo para o corpo quando é a alma que está doente.

Que médica sou eu?

Outrora submissa ao mercantilismo dos ideais.

Ainda sufocada por uma estrutura que eu mesma ajudei a construir.

Sempre indignada pelas discrepantes remunerações.

(Pode um show valer mais do que uma vida?)

As horas voluntariadas me aprazem. Através delas, comprovo o poder terapêutico do amor.

Os escritos me acompanham cada vez com mais frequência. Neles eu revelo o que, de outra forma, se esconderia. Em raras ocasiões, eu vislumbro um talento e comemoro, eufórica, uma frase inspirada. Em outras tantas, o entrave me perturba. É quando tento escrever com a mente o que só pode ser dito com o coração.

E é esse coração que agora me inquieta:

Afinal, que médica sou eu?

Entristeço com os prognósticos desfavoráveis.

Enterneço com as lembrancinhas de agradecimento e com os sorrisos singelos daqueles que pouco tem.

Curvo-me diante da responsabilidade de um ofício em que um pequeno erro pode ser fatal.

Vibro com os novos milagres da ciência, mas há muito me convenci de que nada é impossível. A vida é um mistério, a saúde é dinâmica e, embora a experiência seja minha aliada, os pacientes teimam em me surpreender.

E, então, eu sigo me questionando:

Que médica sou eu?

No momento, eu só sei que, humildemente, faço o melhor que posso. Esse é o meu caminho de evolução.

Talvez o destino, num lampejo de ironia, tenha concedido o meu desejo. E, como tudo tem o seu tempo, eu ainda hei de perceber que eu fui uma criança que um dia ousou brincar de Deus.