No dia 15 de março deste ano, o curso de História e a Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, graças às iniciativas dos professores César Augusto Benevides, Vivina Queiroz e da coordenadora Vanderléía Paes Mussi, concederam o Prêmio Ueze Zahran, grande empresário e mecenas das artes, falecido recentemente, ao educador João Pereira da Rosa e ao coronel Boiteux. Dois homens fortes, nonagenários, de personalidades marcantes, com longas trajetórias de ideais e trabalho. Pereira da Rosa foi o primeiro reitor da Universidade. Boiteux, estudioso de assuntos militares, autor de pesquisas sobre a Guerra do Paraguai.
Chamou-me atenção, na fala do coronel Boiteux, a citação de um trecho do discurso de posse de Lenine Campos Póvoas, na cadeira número 40, da nossa Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, em 1987. O historiador transcreveu palavras de Monteiro Lobato, quando de sua visita a Campo Grande, a Cidade Morena, em 1936, muito antes da divisão do Estado, à beira dos trilhos da Noroeste, estação que fora inaugurada em 1915:
“Campo Grande é a primeira cidade mato-grossense que vamos ver com vagar.
Começaram as surpresas! Naquela distância de São Paulo e depois de atravessada uma zona extensíssima de campos e florestas sem quase nenhum vestígio humano, a gente imagina o que será o tal Campo Grande: casebres de palha, igrejinha duma torre só, rua João Pessoa, tabaréus de chapelão e faca à cinta, caras lampionescas, rastros de onça pintada pelas ruas barrentas. Todas essas expectativas falham.
Campo Grande surpreende e força a ejeção de adjetivos sinceríssimos. Porque aquilo não é cidade de fim de civilização, de beira-sertão, como o viajante logicamente é levado a supor. É cidade de começo de civilização, é a coisa mais reconfortante que em tais alturas alguém possa esperar.
Mas o melhor de Campo Grande não é o que Campo Grande já é e sim o que promete ser. Reúnem-se nela todas as condições favoráveis para ser uma das grandes futuras cidades do Brasil. Subirá a 50 mil, 100 mil, a 200 mil habitantes e parece que o urbanista que lhe traçou ruas e praças teve perfeita consciência disso. Tudo em Campo Grande é grande, é espaçoso, arejado.”
Que alegria saber que Monteiro Lobato teve essas impressões de Campo Grande! Que pressentiu o destino de progresso de nossa cidade.
Certa vez, conversando com Dona Nelly Martins, escritora, artista plástica, casada com Dr. Wilson Barbosa Martins, comentei com ela que assistira a uma palestra de Malba Tahan, pseudônimo do professor de matemática, Júlio César de Melo e Souza, no Rádio Clube. Ela então retrucou que tinha memórias ainda mais antigas: ouvira Monteiro Lobato no Correio. Que homem de contemplação e, ao mesmo tempo, de ação, foi Monteiro Lobato! Perceber que aumentaria os possíveis pontos de venda dos seus livros, utilizando os correios das longínquas cidades. Seria como hoje utilizar as grandes lojas e supermercados, os sites do universo virtual, para ampliar e superar as dificuldades em que se encontram as livrarias.
Monteiro Lobato, confessou-me o coronel, é uma de suas leituras prediletas. Desde o Sítio do Picapau Amarelo, onde Emília, a boneca falante, reina com seu espírito crítico, sua espontaneidade, seu grito de “Independência ou Morte”, até os artigos do livro Urupês, com suas questões tão brasileiras sobre ignorância, alienação, falta de saúde e educação, que têm no personagem Jeca Tatu o símbolo do homem excluído.
Sim, coronel, Monteiro Lobato andou por aqui. Talvez não estivesse ainda melancólico e triste, depois de ter sofrido prisão e tantas injustiças, como quando recusou entrar na Academia Brasileira de Letras. Naquele momento, ele só desejava “o esquecimento de sua insignificante pessoa”, conforme carta dirigida a Múcio Leão, o presidente àquela época. Certamente suas palavras foram proféticas e cheias de esperança em relação ao tempo que viria para o sul de Mato Grosso.
É bom dar honra a quem tem honra. A quem fez e faz a História de nossa cidade. Parabéns a João Pereira da Rosa e ao coronel Boiteux, os premiados daquela manhã, em que, pela palavra, a memória de Monteiro Lobato pairou sobre todos.