Crédito: Revista Conhecer-te de MG - Editada por Marcelo Rodrigues Pereira
Quantas vezes desci pisoteando o chão de paralelepípedos, encostada à muralha caiada de branco, até o Porto Geral de Corumbá? Sempre um deslumbramento: o casario histórico, o antigo armazém, a plataforma do cais. Fechava os olhos e imaginava o fervilhante movimento do passado. A riqueza, o progresso, os migrantes, a cultura da Europa e do Rio de Janeiro circulando pelas águas da Bacia do Prata. Os empórios, entre eles o Naveira&Congro, lotados de mercadorias que iam de sal e querosene a ferragens grossas; os bancos tilintando moedas; o cheiro acre dos curtumes; os imponentes transatlânticos. Restam apenas alguns barcos de pescadores, algumas chatas e empurradores de grãos. Essa mesma paisagem da margem direita do Rio Paraguai, que já foi solo de índios, de portugueses, espanhóis e árabes; que conheceu a glória da navegação, transformou-se com o abandono e a decadência. A melancolia de um vermelho cor de fogo, que ameaça o Pantanal, toma conta da minha alma. Afinal, um porto é, antes de tudo, um sentimento.
Foi com essa impressão que o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) escreveu “Ode Marítima”: “Ah, todo cais é uma saudade de pedra.” Que bela metáfora! “Saudade de pedra”. O chegar e o partir da criatura amada; o pêndulo entre a aventura e o tédio. O medo ancestral de se afastar demais, de singrar sem rumo, de afundar a caminho da foz, em alto mar. Mas um barco não foi feito para ficar preso por aquelas cordas que parecem jiboias vivas. Nem paralisado ao sol, com o casco refletido no espelho líquido, com a âncora enfiada no leito lamacento do rio. Entre a corda e o barco fica sempre uma distância de angústia e névoa.
Continuo lembrando do poema e me questionando: quem sabe se não partimos de outra espécie de porto, de um cais anterior, eterno e divino? Construímos nossos próprios cais e porto? Temos curiosidade de alcançar portos misteriosos sobre a solidão dos rios?
Sinto de repente um enjoo, como marinheiro a bordo de um navio, há meses sem ver sinal de terra. Nasci para ser livre e aventurar-me, mas preciso tanto de aconchego, de paz, de estabilidade, de porto seguro. É este o tempo e o lugar para atracar? Ou prossigo a viagem? Por que penso sempre nisso?
Subo a ladeira. Busco a copa das árvores, pois o calor é abrasador, sufocante. É quase hora do crepúsculo. Cumprimento um homem que se sentou com seu cão numa nesga de penumbra. Que jornada perigosa é a vida. Devemos nos mover contra ou a favor dos ventos? Quantas dores. É mesmo indestrutível a infelicidade dos homens.
Aquele barco no cais do porto poderia ter me levado numa longa travessia. Tremo toda. Haveria prazer em me deixar conduzir pela correnteza, certa de que não naufragaria em meio aos camalotes de flores lilases. Que avançaria em direção à luz. Mas voltei ao silêncio de meu quarto escuro, nesta terra de fronteira.