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Raquel Naveira

Duas pontes da minha terra marcaram a geografia de minha infância: a Ponte Velha, que unia os municípios de Aquidauana e de Anastácio e a ponte sobre o rio Apa, com Bela Vista do Brasil de um lado eRaquel Naveira homenagem d9994 Bela Vista do Paraguai de outro.

A Ponte Velha era de ferro e cobre, uma espécie de espada de aço sobre águas pardacentas. Dos dois lados, a imensidão do mundo, o mistério do mato, a flora humilde dos cerrados, o aroma dos cajus vermelhos e amarelos, os seixos, os troncos retorcidos, onde choravam as juritis. A Ponte Velha era um divisor de espaços e atravessávamos as serras azuis entre suspiros de pássaros.

Escrevi um dia sobre o rio Apa e sua ponte: “_Agora, olhe no mapa, aqui entre o sul de Mato Grosso e o Paraguai, à beira duma cidade chamada Bela Vista, passa o rio Apa. Conheço esse rio. Quando criança, não havia ponte sobre ele. Atravessávamos em pequenos barcos. Minha avó de sombrinha estampada e aquele ar de quem usava perfume francês. Em volta, savanas secas, laranjeiras amargas, ardidas de sol. Ouvíamos sons misteriosos nas margens: gemidos, gritos de guerra, cordas de harpa. Ao longe, avistávamos a escadaria de uma igreja, com uma santa numa gruta. Na ribanceira havia um marco de pedra com os nomes dos jovens rapazes, que morreram num acidente de avião às margens do rio. Pescávamos nas águas turvas, entre morros de formigas, cobrindo-nos com ponchos de lã colorida, pois, às vezes, fazia muito frio no Apa. Olhe bem o mapa, amigo, está vendo este filete azul? Ficou gravado para sempre como uma artéria em meu coração.”

Essas palavras sobre o Apa chegaram às mãos do embaixador e intelectual Mário Gibson Barbosa (1918-2005), que me enviou uma carta datada de 4 de junho de 1998, na qual ele declarou:

 “Pois bem: hoje existe a ponte sobre o Apa. E sou eu o pai dela. Quando Embaixador no Paraguai, em 1967, visitei oficialmente Bela Vista, onde fui recebido com pompa e circunstância, pela guarnição militar local. Espantou-me, então, a inexistência de uma ponte sobre o rio Apa, demarcador de nossa fronteira com o Paraguai, sem a qual ficava interrompido o sistema viário da região. Por minha própria iniciativa, pedi pessoalmente a Mário Andreazza (1918-1988), Ministro dos Transportes no Governo Costa e Silva, que construísse a ponte, explicando-lhe sua absoluta necessidade. Ele acedeu prontamente- e meses depois lá estava a ponte... Desculpe-me narrar-lhe esse fato em que apareço como protagonista. Mas não podia deixar de fazê-lo, diante da emoção que me trouxeram suas palavras.”

Que destino misterioso têm as pontes. Passagens de uma a outra margem. Da terra ao céu.