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 Lázaro Piuntu

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O povo já não aguentava mais. Nos fins de semana pequena multidão se reunia na encruzilhada do bairro, ocupando todo o espaço das ruas interligadas.Era o insuportável baile funk fazendo algazarra madrugada afora.Além do barulho das motos e o toque dos tambores, os veículos motorizados estacionavam sem cerimónia defronte as garagens.

A circulação do “ir e vir” das pessoas, direito sagrado previsto na Constituição era mandado para as cucuias.

Além de impossível conciliar o sono, imagine-se um morador necessitando sair altas horas da noite para transportar alguém doente em emergência.

E quando o escarcéu terminava já na aurora do novo dia, o sacristão da paróquia entrava em ação.

No repicar do sino da Igreja o aviso para a primeira missa do fim de semana.

O soar do sino a todo volume.

Se os “funqueiros” atormentavam, o sino do Padre completava o desassossego. Ocorreu de um velho advogado comprar uma das casas do lugar, desejoso de viver a tranquilidade no interior, quando enjoou da vida atribulada da capital.

Ele não teve dúvidas.

Ingressou na Justiça da Comarca reclamando punição aos organizadores da baderna madrugadora.

E, de quebra, processou também a Paróquia, visto que após o tormento dos leigos iniciava-se o badalar religioso.

O Ministério Público referendou a peça inicial, os autos foram conclusos ao Juiz e Sua Excelência deferiu o pedido liminar.

Como consequência do seu ato legítimo, em defesa do silêncio, o ilustre advogado se viu vítima do rancor dos funqueiros. E da reação do vigário. No sermão do fim de semana os fieis foram alertados da Ação judicial promovida por cidadão vindo de longe - um forasteiro, miserável alienígena - que se mudara para o local recentemente. E, aborrecido com o toque do sino entrara com processo.

Já os adeptos do baile funk, por vingança contra o conspícuo advogado fizeram protesto noturno. Abriam o escapamento das máquinas possantes, buzinavam e rangiam os pneus infernizando a noite e os ouvidos do causídico.

O merecido repouso destruído! Embora a liminar do Magistrado lhe desse acolhimento, a Representação sequer foi julgada em definitivo.

Antes da sentença final, o advogado da capital desistiu do processo. E abandonou o lugarejo. A casa adquirida ostenta até hoje a placa “vende-se”, sem qualquer comprador interessado. Não se admira caso o prefeito, para agradar as partes, acabe desapropriando o imóvel e o transforme em “centro cultural”!

Lázaro Piunti - 07/02/2025.