Que delicadeza o presente que recebi da minha amiga Betty Milan, escritora e psicanalista: um broche em forma de pena de ouro! Uma pluma com sua virtude mágica de pássaro, com seu poder aéreo de pequena flecha. Lâmina de metal terminada em ponta de caneta. A pena é o nosso instrumento. Viver da pena é tarefa árdua dos que se dedicam à arte e ao ofício da palavra. Pena e tinta são símbolos do intelecto, do aprendizado, do destino impresso na folha em branco da existência.
Fecho os olhos e visualizo: a mão levantando os punhos de renda, mergulhando a pena no tinteiro, tirando dali o seu poder, enquanto adere à superfície do papel os traços, as letras, os versos, as frases, os pigmentos. A pena correndo ao comando da imaginação e do talento.
O vocábulo “pena” tem tantos significados diferentes. Pode ser um castigo, um sofrimento, uma aflição. Quantos poetas cantaram os seus mais íntimos padecimentos. Manuel Bandeira suspirou: “Donzela, deixa tua aia, tem pena do meu penar”. Cecília Meireles, refletindo sobre o seu dom, constatou: “Pus-me a cantar minha pena com uma palavra tão doce, de maneira tão serena, que até Deus pensou que fosse felicidade e não pena”. Enquanto isso, o mundo invejava sua voz suave e pura, sem saber que, na verdade, ela estava morrendo de tristeza. E Amália Rodrigues, a plenos pulmões, cheia de dor, emoção e mágoa, cantava o fado: “Foi Deus que me pôs no peito um rosário de penas, que vou desfiando e choro a cantar”.
O meu canto, a minha pena, é mesmo dedicar-me à literatura, essa soberana universal a quem eu sirvo. É ela que me faz descrever e copiar a cor e o debuxo dos quadros; que me dá o tom do entusiasmo, da coragem e da persuasão; que me faz representar os meus sentimentos e paixões; que me comunica imagens e ideias fervilhantes. Embora escreva freneticamente, há sempre algo que fica no tinteiro, uma gota azul, um pensamento por dizer, uma peça que falta e que é tudo. Uma pena!
Há uma cena marcante no filme americano “Uma Mente Brilhante”. O professor John Nash, gênio da matemática, ganhador do prêmio Nobel, depois de uma carreira acadêmica respeitável e da luta contra a esquizofrenia, recebe de seus alunos uma caneta, em tradicional cerimônia. A caneta transformada em emblema de seu esforço, de sua competência e superação. Empunhando a pena, ele venceu conflitos externos e internos, sempre convicto de que “todo problema tem solução”.
Também inesquecível foi conhecer o Castelo da Pena, nos arredores de Lisboa. Que belo palácio no topo escarpado da serra de Sintra! Os arcos ogivais; as torres de sugestão medieval, quadradas com coberturas cônicas; os elementos árabes e mouriscos; as guaritas, terraços e azulejos. No pátio, a escultura do Tritão, meio-homem, meio-peixe, saindo de uma concha com seu tridente, observa a história dos homens, de seu alto posto. Tudo surpreende e encanta o visitante. Recentemente, no reinado de Carlos I, foi a residência predileta da rainha D. Amélia. Depois do assassinato de seu marido, em 1910, ela se retirou para lá com suas amigas e seus cães. Ficou aguardando o evoluir da Revolução, a queda da monarquia, o triunfo da República, a pena de exílio. Uma pena leve, diante daquelas majestades que tiveram as cabeças decepadas na pena capital.
Foi assim, pensando na vida e na morte, que coloquei entre os seios, prendendo o decote, a minha pena de ouro. Sou eternamente grata por esse presente.