Raquel Naveira
Caverna, gruta, antro subterrâneo, escuro, afundado na terra ou na montanha, de teto em forma de abóbada. A caverna representa o mundo, lugar de ignorância, sofrimento e purificação, de almas acorrentadas e mantidas em prisão por suas paixões.A caverna é um grande receptáculo de energia telúrica, de forças que emanam das estrelas de baixo e que queimam o coração do homem.
Para Platão, o ser eterno e universal habita o mundo da luz racional, da essência e da realidade pura. E os seres individuais e mutáveis moram no mundo das sombras e sensações, das aparências. Platão criou uma alegoria, conhecida como mito da caverna, que explica o processo do conhecimento.
Segundo ele, a maioria dos seres humanos se encontra como prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, o prisioneiro contempla, na parede do fundo, as projeções dos seres que compõem a realidade: sombras, fantoches, aparências agitadas. Acostumada a ver somente essas projeções, assume a ilusão do que vê, as sombras do real, como se fossem a realidade.
Se escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras, teria de habituar, aos poucos, os olhos à visão do real: olhar as estrelas, as águas, as flores, até que pudesse encarar diretamente o sol e enxergar a fonte de toda claridade.Essa fonte luminosa é o mundo das ideias, o mundo em que moram os seres totais e perfeitos: a justiça, a bondade, a coragem, a sabedoria.
O profeta Isaías declarou que, um dia, Deus será exaltado e a soberba e o orgulho serão humilhados. Nesse dia, “os homens se meterão nas concavidades das rochas e nas cavernas da terra”, por causa da Sua presença espantosa e da glória de sua majestade.
O cinema é a própria caverna de Platão. Entramos na sala de espetáculo escura, a tela branca à nossa frente, o projetor/lente/fogueira às nossas costas, as imagens projetadas como se fossem a realidade, uma realidade que nos engole por todos os sentidos. Mera ilusão de ótica. Lá fora, o mundo, as ruas, os faróis dos carros. Novas ilusões em cinemascópio.
É preciso entrar muitas vezes na caverna, explorar as minas do nosso eu interior, recalcado nas profundezas do inconsciente e do universo onírico.
Pensando em perigosas entidades psíquicas das cavernas, escrevi:
Entrei na caverna,
Levava apenas uma lanterna
E uma canção fraterna
Nos lábios.
Quanta ignorância.
Quanto sofrimento.
Almas acorrentadas,
Presas às paixões,
Clamando pela água de uma cisterna.
Pelas paredes:
Sombras,
Labaredas,
Pernas,
Pois há fogo no alto
E longe.
Ando por corredores,
Desço galerias,
Esmago estranhas abóboras;
Há fumaça,
Energia
E uma luz vermelha
Que poderia ser a aurora.
Quem estará no fim desse túnel?
Um anão fumando cachimbo?
Um chacal velando o sono do faraó?
Um minerador cavando chumbo?
Aproximo-me do fim do túnel,
Trago mel
Para enganar serpentes,
Tanto perigo,
Tanto lamento
E esta sensação de sepultamento.
Estava decepcionada,
Mergulhada em amargura,
Entrei na caverna.
Como farei agora
Para subir
E caminhar como uma gazela
Nas alturas?