Geraldo Nunes
Antepassados que viveram na Pauliceia da década de 1910, fizeram menção em suas recordações, sobre um dia em que “nevou” em São Paulo. Para os mais precisos houve até uma data exata para o fenômeno: 25 de junho de 1918. Conversando certa vez com uma meteorologista, ela me disse considerar impossível a presença da neve em São Paulo. Segui meu instinto de repórter e fui atrás para confirmar.
Segundo registros oficiais - porque São Paulo tinha um observatório astronômico naquela época e exatamente na Avenida Paulista - a cidade enfrentou de fato na madrugada daquele dia, uma temperatura baixíssima seguida de forte nevoeiro que, ao chegar ao solo e encontrá-lo extremamente frio, sublimou, ou seja, passou do estado gasoso para o sólido, fenômeno conhecido como geada.
Uma antiga caderneta com os registros oficiais das condições do tempo na cidade comprova que na data citada, não havia nebulosidade, portanto, o céu estava aberto e a neve só ocorre quando há cobertura de nuvens.
A temperatura na capital paulista chegou a -3,2 graus centígrados e o que ocorreu foi uma forte geada. A informação sobre neve em São Paulo faz parte do folclore popular.
Nossa conclusão é que na Pauliceia moravam muitos imigrantes europeus que conheciam a neve. Eles, entretanto, desconheciam a geada e uma palavra acabou substituindo a outra.
Os jornais do dia seguinte - 26 de junho - fizeram referências a essa madrugada gelada de 1918. O “Estadão” menciona a presença de pedras de gelo na margem do rio Tietê. “O inverno de 1918 foi muito intenso, talvez o mais frio da história registrado na cidade”, escreve José Roberto Walker em seu livro “Neve na Manhã de São Paulo” (Companhia das Letras), tendo por base para este relato, um diário coletivo e um tanto quanto secreto, escrito pela turma que daria origem à Semana de Arte Moderna de 1922.
Neste livro Walker confirma a informação do Observatório Meteorológico da Paulista que funcionou entre 1916 e 1930. No texto aparece a temperatura negativa de -3,2 graus centígrados.
O título escolhido para a publicação se deve ao fato de, naquela madrugada, que pode mesmo ter sido a mais fria da história de São Paulo, o modernista Oswald de Andrade relatou neste diário secreto, um encontro dele com “Miss Cyclone”, uma sedutora adolescente de 16 anos com a qual fez amor sobre um tapete macio; "com uma intensidade nunca reprisada naquela sala de pé-direito alto, desprovida de lareira".
Ao irem embora, Oswald e “Cyclone”, encontraram a Rua Líbero Badaró coberta pela “neve” que não veio, mas deixou histórias.