Raquel Naveira
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Há uma base biológica na diferença dos sexos. Sou fascinada pelo antigo mistério e fascínio da mulher, seu poder esmagador que é ser mãe. Hoje sinto uma estranha passagem da magia do ventre para a magia da cabeça, como nos explicou a filósofa ítalo-americana, Camille Paglia, em seu livro Personas Sexuais. A agressiva mulher moderna se esquece de que usa para atacar a cultura patriarcal a linguagem e a lógica inventadas pelo homem. Inflamadas por uma independência ilusória, suprimem sua dívida com os homens por causa da magia da cabeça. Desejam racionalidade e tecnologia. Negam as forças brutais do sexo e da natureza. Rejeitam a contingência das limitações humanas. Em busca de uma nova identidade, exaltam o individualismo, tacham a sociedade como opressora, enquanto esperam que o governo seja provedor material. Sem sociedade, estaríamos jogados nas tempestades, nos incêndios, na barbárie. As feministas simplificam o problema do sexo a uma questão de convenção social. Quando os controles da sociedade enfraquecem, a crueldade vem à tona. Quando pensamos que podemos fazer tudo que queremos, sem barreiras ou interditos, achamos a liberdade intolerável. Buscamos então outros meios de nos escravizar através das drogas, da depressão, do sadomasoquismo, da perversão, da violência. O sexo é impulso primitivo, tocaiado por fantasmas e sombras.
Nascer da cabeça do pai e não do ventre da mãe é a inspiração de um mito greco-latino: o surgimento da deusa Minerva (ou Atena). Ela nasce da cabeça de Zeus (ou Júpiter). Zeus andava pelas margens de um lago e, repentinamente, sentiu uma dor insuportável. A cabeça latejava e ardia. Milhares de punhais escavaram seu cérebro com pontadas. Os gritos desesperados sacudiram a Terra. Hesfestos (ou Vulcano), o ferreiro divino, vibrou no ar o martelo de ouro e golpeou o crânio de Zeus. Da ferida aberta, surgiu uma mulher belíssima, vestida em reluzente armadura. Na cabeça, ostentava um elmo. Nas mãos, o escudo e a lança. O céu relampejou. Os imortais ergueram-se perplexos. O coração do pai pulsava de orgulho e contentamento. Atena (ou Minerva) era deusa sábia, civilizadora. Velava pelos gregos nas lutas e no trabalho com barcos e rocas de fiar. Era justa, tinha ideais elevados e pacíficos. Sua castidade era sinônimo de audácia e autonomia em relação ao homem. Estava, com certeza, no princípio da ciência e da indústria ocidentais, que tiraram as mulheres do lar e as levaram às fábricas de tecidos.
Madame Curie (1867-1934), a cientista polonesa naturalizada francesa, que conduziu pesquisas pioneiras no ramo da radioatividade (termo que ela mesma cunhou), foi a primeira mulher a receber um Prêmio Nobel. Casada com o também cientista, Pierre Curie, com quem teve duas filhas, sofreu a influência de um pai professor de Física e Matemática. Viveu imersa num laboratório, entre tubos de ensaio, analisando fórmulas, sais de urânio, descobrindo elementos. Faleceu aos 66 anos, de leucemia, causada provavelmente pela exposição à radiação. Conseguiu se sobressair num sistema masculino imaginado para dominar a natureza. Nasceu, como o mito de Minerva (ou Atena), da cabeça do pai.
Ainda conforme Paglia, “o atual avanço da mulher na sociedade não é uma viagem do mito para a verdade, mas do mito para um novo mito.” A mulher nunca é plenamente racional. Ela se vê diante de uma puberdade difícil, uma vida marcada por ciclos menstruais, fases da lua, partos, cordões umbilicais que saem de sua placenta, menopausa, fenômenos que afrontam a beleza e trazem espanto e terror. Por isso são realistas e dissimuladas na sedução. Conhecem o lado oculto e borbulhante das entranhas.
O instinto de fecundidade, de umidade, de chuva de primavera, está presente no nascimento da deusa Vênus (ou Afrodite), transformado em imagem num famoso quadro do pintor renascentista italiano Botticelli (1445-1510). Ela emerge das águas do mar, nua, docemente amparada numa grande concha de madrepérola, os ventos soprando com leveza sobre seus loiros cabelos adornados com singelas violetas. É a feminilidade que volta para a quietude e a contemplação; que responde, vulnerável, à liderança e autoridade do pai, cheia de aconchego e capacidade de reconciliação de conflitos.
E Eva? A vivente, a alma, a “zoe”, criada a partir da costela de Adão? Ah! Essa estava dentro do homem, um duplo de seus cromossomos, feita do mesmo barro vermelho. Criatura imperfeita, sem perspectiva de eternidade, prestes do fim. Capaz de errar, de enganar, de cortar e restabelecer elos de interação com seu Criador. Ela sim, a natureza, a mãe, os frutos, os seios, o ventre. Continuo fascinada com o mistério de ser mulher. A mulher forte e frágil que Deus me criou para ser.