Raquel Naveira
Sempre fui apaixonada pela história trágica da rainha Maria Antonieta. Maria Antonieta nasceu em Viena, Áustria, em 1755, filha do Imperador Francisco I e de Maria Teresa. Casou-se com o delfim da França, mais tarde Luís XVI. Esse casamento tornou-a o centro das intrigas relativas à aliança austríaca, criando-lhe muitos inimigos. A jovem e inexperiente princesa pouco fez para pôr termo ao estado de coisas que se criara, agindo, pelo contrário, de modo a agravá-lo, após a ascensão do marido ao trono, imiscuindo-se em questões políticas. Seis meses apenas depois de ter-se tornado soberana, os ataques contra ela se avolumavam. O favoritismo que dispensava aos amigos, os gastos inúteis que fazia, a conduta escandalosa nos negócios públicos, constituíam fatores que comprometiam sua reputação.
A situação financeira aflitiva do povo francês, provocada por ministros corruptos escolhidos por ela, transformou-a no símbolo do ódio popular pelo regime vigente.
A revolução se aproximava. Em 14 de julho de 1789 houve a queda da Bastilha. Quando o rei e a família foram removidos de Versalhes para as Tulherias, Maria Antonieta compreendeu que estavam condenados. Os membros da corte francesa fugiram de Paris e as monarquias da Europa, alarmadas com o rumo que os acontecimentos tomavam na França, consideraram a possibilidade de uma intervenção.
Maria Antonieta, através de emissários secretos, implorou ao irmão que enviasse um exército austríaco para salvar a família real. Dois anos se passaram e como os socorros não vinham, ela decidiu fugir da França. Partiu numa noite com a família, sob disfarce, para Malmédy, na fronteira oriental, mas foram detidos e obrigados a voltar a Paris. Tal fato serviu para aumentar as suspeitas de traição que pesavam sobre ela e o marido. A hostilidade do povo parisiense se intensificava, as Tulherias foram invadidas e a rainha sujeitada a humilhações extremas. Nos últimos meses de 1793, removida para a Conciergerie, ela demonstrou fortaleza de ânimo. Enquanto se encontrava na prisão, fizeram-se duas tentativas de salvá-la. Todavia, foi conduzida ao tribunal revolucionário e acusada de traição. Morreu na guilhotina.
Sophia Coppola conheceu a biografia de Maria Antonieta em 2000, através da historiadora francesa Evelyne Lever. Na época, Sophia adquiriu os direitos de adaptação do livro para o cinema. Lever trabalhou como consultora técnica do filme, preparando um dossiê sobre a rainha, de forma a evitar erros sobre sua história.
O governo francês concedeu à equipe de filmagens uma permissão especial para que ocupasse o Palácio de Versailles. No célebre Salão de Espelhos foi rodada a deslumbrante cena do baile de casamento entre Maria Antonieta e Luís XVI. O filme foi vencedor do Oscar de Melhor Figurino.
Kirsten Dunst é perfeita no papel de Maria Antonieta: alva como um lírio, entediada, adolescente, fútil, alienada, manipulada por forças superiores a ela, buscando, com todas as forças, aprender a viver e a sobreviver. Envolvida em rígidas regras de etiqueta, ferrenhas disputas familiares, intrigas insuportáveis, exilada e sozinha, ela decide criar um universo à parte, no qual pode se divertir e aproveitar a mocidade. Enquanto isso, fora das paredes do palácio, sem que ela se dê conta, a revolução ferve como uma caldeira prestes a explodir.
Roupas, jóias, perucas, sapatos, carruagens, cavalos, louças, biscoitos (os famosos “brioches”), bolos, bebidas, bolhas de champanhe, tudo gira e espuma na tela. A trilha tecno do filme sugere que é, antes de tudo, um filme sobre os perigos da adolescência, quando somos incapazes de avaliar o peso dos nossos atos, provocando efeitos e desdobramentos muitas vezes surpreendentes e desastrosos em nossas vidas e nas vidas das pessoas que nos rodeiam.
O filme dá aquela sensação de que termina na melhor parte, que ficou inacabado, pois não conta o trágico e conhecido fim da rainha. Parece que faltou alguma coisa, mas é essa falta que gera a polêmica, o recorte particular, a obra aberta. É o olhar moderno e inteligente de Sophia Coppola.
Um filme de alma feminina, de uma estética magnetizante, que conseguiu mostrar um ângulo novo para duas antigas histórias: a da rainha e a da adolescência perdida de cada uma de nós.
Pensando na infeliz Maria Antonieta, criei o poema:
Sonhei que era Maria Antonieta,
Tinha um castelo perfumado
Como uma flor na floresta;
Tinha uma sala de espelhos
E lagos para ver minha silhueta;
Tinha um palco de seda
Para representar uma opereta;
Tinha um colar brilhante
Como a cauda de um cometa;
Tinha bolos e licores
Para os convivas de minha saleta;
Tinha criados que me anunciavam,
Inclinados ao som de uma trombeta;
Tinha o ar frio e distante
De uma intrigante estatueta;
Tinha um vestido branco
Para dançar no bosque como uma ninfeta;
Tinha um sonho de colombina
Feito de voo e pirueta;
Tinha tanta fortuna
O meu sonho de Maria Antonieta...
Terá sido em hora importuna?
Terá sido recordação funesta?
Onde a festa?
O fausto?
Nada mais resta...
Coube-me um canto de sarjeta
E o ressoar estranho
De uma risada do capeta.