Confesso: diante daquela notícia senti medo. Uma dor me paralisou, não deixava eu me mexer. Confusa e cega, o desespero entrou em meu coração, roubou minha força física, atingiu-me como uma seta, um sentimento maligno. Pensei em morrer e desistir, diante das esperanças destruídas. Sim, o medo alcança até os fortes. Principalmente os fortes que se reconhecem fracos.
Terá sido assim com a esposa de Ló? Aquela que foi transformada em estátua de sal porque desobedeceu a uma ordem dada por Deus e olhou para trás? Imaginou sua casa em chamas? O fogo lambendo colunas, joias, tecidos e perfumes? Teve saudade do passado? Da pecaminosa cidade? Receio do futuro em terra estranha? Ouviu vozes, rumores? Sentiu vertigem da altura das montanhas e da profundidade dos abismos? Estava apegada a uma vida de prazeres? Queria conservá-los no corpo e na alma? Duvidou de que ainda lhe aconteceria algo melhor? Rejeitou a salvação divina? Não quis pagar para ver o que lhe estava reservado? Sentiu pena de si mesma? Atraiu e multiplicou sua dor? Choramingou enquanto fugia? Prolongou sua pena? Pensando ter perdido tudo, não apostou na vontade de ganhar? Seu coração cobiçava o que estava condenado? O que terá atravessado a mente daquela mulher engolida pelo sal, tragada pela chuva de enxofre? Seu corpo recoberto por pátinas de pó que a tornaram estátua, taça branca oferecida às nuvens, monumento visível aos viajantes, por séculos, à beira do Mar Morto.
A Medusa, monstro mitológico, terrível, com olhos vermelhos, dentes longos e agudos, mãos de bronze, asas de ouro e cabelos de cobras, petrificava de medo homens e deuses. Diante daquela atração, todos se metamorforseavam em estátuas de pedra, que enfeitavam seu jardim secreto. Até surgir Perseu, o herói, que conseguiu matá-la graças a um estratagema: utilizou-se de um escudo polido como espelho que refletiu a imagem da mais famosa das Górgonas. Cortou-lhe a cabeça, enfiou-a num saco e a mergulhou no mar da eternidade. As serpentes ficaram ainda um bom tempo agonizando, destilando peçonha. Finalmente, alguém com determinação havia encarado a ameaça, a face do perigo, tomado atitude de resistir ao medo. A vitória estava do outro lado do medo. Tudo o que desejamos encontra-se do outro lado.
Por um momento, gelei. Depois, troquei o medo pela fé. Confiei que há ajuda na injustiça, na incompreensão (como meu amor é incompreendido!). Descansei. Minha alegria chegará. Enquanto isso, bastam uma folha em branco e a caneta, pena em punho; um alvo apontando para a frente; uma dose de licor verde como vestes de fada; uma vasilha para guardar sonhos puros, que se derramem como óleo. A notícia é triste, é mais uma vergonha, uma afronta, um anjo me esbofeteando na cara, um espinho enfiado na minha carne, mas não vou virar pedra, nem estátua de sal.