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Raquel eletrica 75a47Na fazenda, não havia luz elétrica. Acendíamos uma lamparina frouxa e observávamos a textura das estrelas, o palor da lua. A noite era um manto que ora apalpávamos, ora nos cobria. A mecha luminosa chiava no silêncio, enquanto mariposas atiravam-se na chama de asas abertas.

Em noites de total escuridão, lembrava-me da história de Eros e Psiquê, da mitologia grega. Psiquê era uma jovem princesa, tão linda que de todas as partes acorria gente para admirá-la. Vênus, a deusa da Beleza, enciumada, pediu a seu filho Eros, o deus do Amor, que a atingisse com suas flechas, fazendo-a enamorar-se do homem mais desprezível do mundo. Entretanto, ao ver a princesa, o próprio Eros apaixonou-se por ela. Enquanto as irmãs de Psiquê casaram-se com reis, a mortal cobiçada por um deus, permanecia só. Apreensivo, seu pai consultou um oráculo que aconselhou o soberano a levar a filha, vestida em trajes nupciais, até o alto de uma colina. Lá, uma serpente iria tomá-la como esposa. Enquanto esperava que se consumasse seu destino, o vento a transportou até uma planície florida. Esgotada por tantas emoções, Psiquê dormiu. Quando acordou estava num palácio de ouro. Ouviu uma voz que a convidava a entrar. À noite, oculto pelas trevas, Eros amou-a. Recomendou-lhe insistentemente, que jamais tentasse vê-lo. Durante algum tempo, apesar de não conhecer o amado, Psiquê sentiu-se a mais feliz das mulheres. Depois, pensou que ele poderia ser um monstro. Preparou uma lamparina e uma faca. Enquanto Eros dormia, iluminou-lhe o rosto, os cabelos dourados, as asas de anjo. Emocionada, deixou cair gotas de óleo no ombro do deus. Ele despertou sobressaltado e foi embora para não mais voltar. Afastando-se, disse: “_ O Amor não vive sem a Confiança”. Depois de muito arrependimento, lágrimas e peripécias, Eros perdoa Psiquê e a leva a seu reino para um casamento imortal.

É dessa personagem, Psiquê, que surgiu a palavra “psicologia”. “Psyché” em grego significa “alma”, “espírito”, “respiração”, “sopro” e “logos”, “estudo”, “razão”. Psicologia é, portanto, o estudo da alma, a compreensão da alma. O neurologista austríaco Sigmund Freud é considerado o pai da psicanálise, ramo teórico que se ocupa em explicar o funcionamento da mente humana. Trata da relação entre os desejos inconscientes e os comportamentos e sentimentos vividos pela pessoa. Descobriu que os processos psíquicos da mente em estado de inconsciência são dominados pelos desejos sexuais e instintos reprimidos. Há uma aliança entre Eros, o Amor e Psiquê, a Alma, que não pode ser quebrada.

Paulo, o Apóstolo, sem pretender uma antropologia completa, muito antes de Freud, distinguiu no homem integral o espírito (“pneuma”), a alma (“psique”) e o corpo (“soma”). A alma-psique é o que anima o corpo, ao passo que o espírito-pneuma é a parte do ser humano aberta à vida mais elevada, a espiritual. É ela que se beneficiará da salvação e da eternidade. É ela que busca se santificar. Sua influência se irradia pela psique, sobre o corpo, e, consequentemente, sobre o homem integral, tal como deve ser neste mundo e no outro.

Quisera amar o meu Senhor de todo coração, de toda alma, de todas as minhas forças, com todo o meu entendimento! Uma corrente elétrica percorreria meu

corpo e habitaria meu ventre.

Na fazenda, não havia luz elétrica. Havia breu, cacos de cometas, vagalumes. A noite era elétrica e meus olhos, enormes.