No cesto de maçãs há uma que apodreceu. Cuidei tanto. Em breve todas estarão corrompidas, tintas de uma cor amarela e viscosa. Odor fétido. Uma pena! Eram maçãs tão belas, corações de veludo pulando fora do meu peito.
A maçã me remete, entre outras, à história da Branca de Neve. Começa com a neve caindo como plumas do céu. A rainha sentada perto de uma janela cuja moldura era de ébano negro. Enquanto costurava olhando para a neve, picou o dedo com a agulha e gotas de sangue caíram na neve. A neve foi ficando rosada, ganhando manchas e volume, hímen rompido. No final, quando Branca de Neve come a maçã erótica, termina sua inocência.
Que perigo essa infecção generalizada por contato, que vicia, atinge as mentes, os raciocínios, distorce valores éticos e morais, ergue-se contra tudo o que é íntegro, justo e amável! Por toda parte ouço notícias de homicídios, furtos, xingamentos, adultérios, estupros, falsos testemunhos. A sujeira impregnada nos pensamentos. Venenosa contaminação.
Quisera poder me vestir de branco. É tão digno. Lírio lavado no sangue. "Princesa cândida". Mas a carne é má, inimiga da pureza. Só por hoje não farei. Serei livre. Direi não, balançando a cabeça, os cabelos negros como corvos.
Arrancarei de minhas lembranças toda raiz de amargura, toda mentira, murmuração, tristeza, ingratidão. Exilaram-me do paraíso da minha infância. Cuspiram sobre minha face. De um lado, vejo o caos vermelho, as emoções desgovernadas. Do outro, a minha consciência limpa. Apertarei o cinto como Branca de Neve, até desfalecer. E me colocarão num esquife de cristal em meio ao jardim. Borboletas e folhas pousarão de leve, sem perturbar o meu sono de mulher sufocada. Um dia, o meu salvador retirará a peçonha de meus lábios, pois não a incorporei.
Choro. Um fruto podre contaminou o meu cesto.