Assisto à chegada da ativista ambiental sueca, Greta Thunberg, a Nova York, após uma longa viagem pelo oceano Atlântico, num veleiro sem combustível. Ela foi convidada para uma conferência na ONU, depois de começar um movimento para que os políticos tomassem providência em relação às mudanças climáticas do planeta. Foi recebida como celebridade por uma multidão reunida na marina, no sul de Manhathan. Observo seu rosto de adolescente, de menina de dezesseis anos: o cabelo amarelo como trigo, repartido em tranças; o olhar duro e fixo. É quase uma criança, necessitando ainda de proteção, de cuidados, genial e frágil. Está longe de sua terra, de sua família, de seus estudos. Que nações, que interesses serão manipulados através de seu gesto? Como acontecerá um movimento mundial sob sua liderança? Como será possível uma transição racional e ecológica, sem abrir mão do avanço do desenvolvimento tecnológico?
A adolescência é um período intenso da vida humana. Muitos processos conflituosos. Esforços de autoafirmação. Busca de valores e projetos que impliquem numa integração social. Adolescer lateja o sangue, entumece grãos, concentra odores, desencadeia o verdor acre que precede as colheitas. É explosão, martírio, potência. Assim aconteceu com Joana D’Arc, a heroína francesa, que participou dos feitos da Guerra dos Cem Anos. De berço pobre, depois de ter visões divinas, sonhos sobrenaturais; de ouvir vozes de anjos e santos que a instruíram a ajudar as forças de Carlos VII a livrar a França da Inglaterra, é enviada com um exército para a batalha. Partiu pelos campos vestida de armadura de aço, bandeira com cruz vermelha, espada, montada num cavalo branco, como um soldado. Uma adolescente à frente de um exército, incitando o fervor e a disciplina com sua presença, vendo de perto a carnificina. Disposta a massacrar seus inimigos, reacender nas tropas o patriotismo que os conduziu à vitória. Estava lá, suada, cabelos tonsados, quando o rei da França foi coroado na catedral que brilhava de luz nos vitrais. Capturada por franceses traidores, foi entregue nas mãos do governo da Inglaterra, julgada culpada, condenada por feitiçaria à fogueira. Tinha mais ou menos dezenove anos, em 1431, quando seu corpo virou cinza. Estava no início da vida, tinha tão pouco tempo. Tornou-se mais tarde o próprio símbolo da França.
Pensando na primavera sangrenta da minha adolescência, em que me sentia uma lagarta gosmenta, sem esperança de virar borboleta, eis que a adolescente que fui pulou a janela e deitou-se ao meu lado na cama. Percebeu minhas dores, espantou-se com minha aparência sexagenária. Fiquei sem saber como agir. Deveria tratá-la como uma estranha ou uma pessoa próxima? Afinal, temos os mesmos ossos, o mesmo sangue, o mesmo nome e nascemos nesse dia 23 de setembro. Foi ela, a adolescente, que, curiosa, quebrou o silêncio, a barreira do tempo e me perguntou: “_ Você ainda ama a poesia? Lembra daquele livro grosso de versos de Augusto Frederico Schimidt, o modernista que falava de ausência, de perda e amor? Você se banhava em lágrimas lendo aquelas páginas. Pensava que o poeta era o único que compreendia sua alma. Dizia em voz alta: ‘A chuva molhava os seus cabelos, descia sobre seus ombros, voluptuosamente. //A chuva chorava sobre os seus cabelos, macios, penetrava nos seus cabelos, profundamente, até as raízes,// Ela era uma árvore, uma árvore molhada e coberta de flores’. E Castro Alves? Continua sendo uma paixão? Você lia o romance O ABC de Castro Alves, de Jorge Amado, escondida pelos cantos; sorvia a poesia arrebatada do “poeta dos escravos”, sua curta e trágica trajetória pessoal; o caso atormentado dele com a atriz portuguesa Eugênia Câmara; os diálogos inflamados, alternados com declarações eróticas como: ‘No seio da mulher há tanto aroma/ Nos seus beijos de fogo há tanta vida.’ O drama de estar dividido entre os apelos da carne e a luta pela liberdade dos negros e pela República, até o último suspiro. Ah! E Castro Alves era um jovem de vinte e três anos, recém-saído da adolescência, marcado para sufocar precocemente nos braços da noiva Morte. Você se entregou à poesia e está pagando caro as consequências?” E, de repente, mostrou-me um caderno grande, listrado de marrom e dourado, em que eu escrevia meus versos com uma letra firme, caprichada, como não tenho mais. Diante de meu pranto agônico, a adolescente que fui saiu novamente pela janela, como um sopro que balança a cortina.
E lá vem Greta Thunberg com seu estandarte, puxando as cordas das velas enfunadas. É uma adolescente com seus projetos tão lindos, tão plenos... uma adolescente como já fui.