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Geraldo Nunes

Não poderia haver honra maior para este cultivador de memórias do que diante de confrades e confreiras da nossa querida Academia Cristã de Letras – ACL, entre os quais o mestre de cerimônias Luiz Eduardo Pesce Arruda, titular da cadeira nº 40, ter a oportunidade de tecer aos presentes no Pátio do Colégio, durante a cerimônia noturna de 14 de setembro de 2023, sobre a história dos lampiões de gás agora de volta ao local onde São Paulo nasceu.

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No ano de 1958 a até então desconhecida compositora Zica Bergami (1913-2011), procurou a já conhecida e famosa cantora Inezita Barroso (1925-2015), para mostrar sua música de evocações às saudades dos lampiões de uma antiga cidade que na letra se dizia ser “calma e serena, pequena e grande demais”. Após ouvir, de imediato, Inezita anunciou que iria gravar a canção e o sucesso aconteceu. Lampião de Gás agora é parte de nossa história e do cancioneiro de recordações da São Paulo querida na qual viveram nossos pais, avós e quem sabe bisavós.

O tempo tudo mudou, mas não apagou a sua poesia”, diz Perfil de São Paulo, outra canção que traz de volta reminiscências dos primeiros estudantes do Largo de São Francisco, feita pelo compositor e poeta Francisco Bezerra de Menezes (1920-1995), interpretada na noite solene dos lampiões do Pátio do Colégio, pelo grupo musical Trovadores Urbanos que embalou as recordações do público presente.

Ao fazer uso da palavra destacamos o fato de termos passado pela Praça da Sé e vê-la limpa novamente. Ressaltamos a frase que ouvimos de uma amiga guia de turismo que elabora passeios pelo centro: “Além de zeladoria, o centro precisa de músicas, flores e afeto”. Contamos em seguida que a história da iluminação pública em São Paulo começa junto com a implantação dos cursos jurídicos, em 1827. Tal decisão trouxe jovens de todo o Brasil recém-liberto para estudar na até então pacata cidadezinha.

Não havia iluminação pública, ao escurecer se acendiam lamparinas dentro das casas que permaneciam acesas somente até a hora desses moradores irem dormir. Imaginem a situação daqueles rapazes, na maioria jovens na casa dos 20 anos, repletos de energia e testosterona, dispostos a sair à noite, mas sem ter para onde ir! Por tais motivos se atribui aos estudantes da Academia de Direito a implantação da vida noturna em São Paulo e para isso foi necessária a presença da luz.

Um decreto de 1830 determinou que a iluminação das ruas fosse feita pelos próprios moradores com lampiões instalados na frente de suas casas, alimentados com óleo de peixe. Além do mau-cheiro que a queima desse produto proporcionava, as luzes eram fracas e tenebrosas, formavam sombras compridas que sopradas pelo vento que balançava os lampiões pendurados em pregos, assustava não só crianças, mas até mesmo adultos.

Naquele tempo, abaixo do Pátio do Colégio, se estendia a Várzea do Carmo e era comum aos moradores que caminhavam pelas ruas à noite pisar em sapos. Buscaram-se melhorias nos processos de iluminação pública até que em 1873, os ingleses da San Paulo Gaz Company, trouxeram o sistema de iluminação pública com base na queima do carvão mineral em retortas, cujo gás emanado alimentava a luz dos lampiões. Cerca de 700 postes de iluminação foram instalados desde o centro até o Brás, primeiro bairro a receber iluminação pública. Em seu auge, a iluminação por gás chegou a reunir na capital paulista mais de 10 mil lampiões.

A presença da companhia de gás fez surgir nomes e lugares até hoje conhecidos como o da Casa das Retortas ainda existente, tombada pelo patrimônio histórico, cuja localização se dá na Rua do Gasômetro onde as crianças com bronquite eram levadas para passear. Dizia-se que o cheiro daquele gás desobstruía os pulmões. O último lampião alimentado pela queima do carvão mineral foi desligado em 8 de dezembro de 1936 e com ele o fim da profissão de “vagalume”, o funcionário que acendia e apagava as luzes dos velhos lampiões. Os atuais agora colocados no Pátio do Colégio se acendem automaticamente assim que o dia escurece, graças aos sensores eletrônicos que se desligam ao amanhecer. As luzes à moda antiga chegam através do gás natural distribuído aos 38 postes colocados no interior e no entorno do Pátio do Colégio.

O lugar que serviu de habitação aos padres jesuítas entre eles, Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, fundadores da cidade, é hoje um lugar aprazível em sua parte interna que merece ser visitado. Do lado de fora as agruras da vida se escancaram devido à crise econômica que fez cair o movimento de pessoas e no centro e o aumento na quantidade de moradores de rua. Ao mesmo tempo, nossa população precisa melhorar sua autoestima e para isso buscou-se oferecer luzes para quem sabe iluminar corações e mentes à procura de saídas que melhorem a qualidade de vida de todos os habitantes.

Compareceram, Álvaro Camilo, subprefeito da Sé; Roberto Matheus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo, Fábio Prieto, secretário de Justiça e Cidadania e demais convidados. Entre confreiras e confrades da nossa querida Academia Cristã de Letras compareceram: Frances Azevedo (cadeira 39), Di Bonetti (cadeira 24), Reinaldo Bressani (cadeira 15), José Francisco Ferraz Luz (cadeira 09), Gabriel Kwak (cadeira 21), Luiz Eduardo Pesce Arruda (cadeira 40) e este jornalista que ocupa a cadeira 27. Viva a ACL, Viva o Pátio do Colégio e Viva São Paulo!

 Geraldo Nunes, jornalista e escritor, está na Academia Cristã de Letras desde 2021.