Neste ano se festeja o 90º aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932. Muito se escreveu sobre o tema e ainda pode ser escrito, considerando-se ainda a simpatia que despertou em diversos pontos do país e as conseqüências que trouxe para a vida pública. Tentamos, em poucas linhas, dar uma idéia do que foi a chamada “Guerra Cívica” dos paulistas, o que ela representa para a história, com ênfase na participação feminina.
A Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, resultou vitoriosa, tendo contado, mesmo, com as simpatias de São Paulo. O governo provisório foi instalado no dia 3 de novembro pelo novo Presidente, o qual prometera uma rápida normalização política do país, dentro do regime constitucional. Entre as bandeiras da Revolução de 30 podem ser destacadas: reforma eleitoral (com voto secreto) e convocação de uma Assembléia Constituinte.
Getúlio Vargas procurou controlar as duas forças revolucionárias, que o apoiavam, as quais eram antagônicas: os políticos da Aliança Liberal, que propugnavam pela democracia, de um lado; e os tenentes, por um governo autoritário. De imediato, os atos de Vargas revelaram-se ditatoriais, começando por nomear interventores para os estados da Federação. Enquanto nestes, os interventores haviam surgido das alianças locais, a São Paulo coube uma série sucessiva de três interventores provenientes de fora, os quais estiveram longe de cair nas boas graças da população. Antes, suscitaram o seu descontentamento por suas imposições e pelo descaso e prepotência com que trataram os assuntos administrativos e as instituições paulistas. Assim, foram alvo de pressões e, um a um, tiveram que renunciar.
Desencadeou-se, em São Paulo, uma forte propaganda contra o governo central. Sob o lema TUDO PELA CONSTITUIÇÃO, uniram-se os membros dos partidos políticos mais importantes, estabelecendo uma Frente Única que incluiu os estudantes das escolas superiores e os jornais O Estado de S. Paulo, A Gazeta e O Diário de São Paulo. Getúlio Vargas ainda fez uma última tentativa. Desta vez, nomeou o Embaixador Pedro de Toledo, paulista e civil, que acabou tomando uma atitude solidária com o povo e não aceitou os secretários escolhidos pelo presidente. Enquanto São Paulo era ameaçado de sofrer uma repressão militar, a chegada de Oswaldo Aranha a esta capital, no dia 22 de maio, para nomear o secretariado pró-Vargas, inflamou a população que saiu às ruas para protestar e exigir a Constituinte.
Nos tumultos do dia 23 de maio de 1932, quatro jovens foram assassinados: EUCLIDES BUENO MIRAGAIA, MÁRIO MARTINS DE ALMEIDA, DRÁUSIO MARCONDES DE SOUSA E ANTÔNIO AMÉRICO DE CAMARGO ANDRADE. De seus sobrenomes foi composta a sigla M. M. D.C., a qual passou a simbolizar a Revolução Constitucionalista. Esta irrompeu no dia 9 de julho do mesmo ano. Uniram-se a antiga Força Pública de São Paulo (atual Polícia Militar), o Exército Brasileiro em terras paulistas e milhares de voluntários. Deveriam agrupar reforços vindos de outros estados, prometidos por militares ou grupos de revolucionários que também se manifestavam contra o governo Vargas. Por falta de homens, de armas e de equipamentos, as forças paulistas não entraram no Rio de Janeiro. Permaneceram em Cruzeiro, em observação, enquanto eram observadas pelo General Góes Monteiro, estacionado em Rezende.
Com poucas exceções, os reforços prometidos pelos outros estados não vieram, impedidos pelo Presidente Vargas, que efetuou muitas prisões e, com habilidade, conseguiu unir a maior parte da Federação contra os revoltosos de São Paulo. O movimento acabou se restringindo ao território paulista, contou com a participação dos matogrossenses e teve como líderes principais: o General Bertoldo Klinger, comandante da guarnição militar do Mato Grosso, que se deslocou para o nosso estado, o general reformado Isidoro Dias Lopes e o Coronel Euclides de Oliveira Figueiredo. De modo que a luta ocorreu em desigualdade de forças. As tropas legalistas sitiaram todas as fronteiras do Estado de São Paulo, tanto por terra quanto por mar e ar, acarretando grandes dificuldades no tocante à ìmportação de armas e munições.
De imediato, as indústrias locais substituíram as suas produções pela fabricação de fardas, capacetes e armamentos. Homens, mulheres e crianças, brasileiros e estrangeiros, negros, brancos e índios mobilizaram-se - tanto para ir ao front, quanto para trabalhar nos quartéis, nas comunicações, nas indústrias, nas igrejas, em clubes e sociedades.
Das colônias de origem estrangeira houve os que lutaram bravamente e os que enviaram alimentos às tropas. Tratores e automóveis, colocados à disposição pelos proprietários, transformaram-se em tanques de guerra. Uma invenção importante foram os trens blindados ou trens fantasmas, cujos vagões eram envoltos em placas de aço pintadas de cores diversas, entremeadas de pranchas de peroba, envolvendo metralhadoras e canhões no interior, que contava com geradores de eletricidade e telefone. A locomotiva ficava no centro da composição.
OS ESTUDANTES E SUA PARTICIPAÇÃO
Foi notável a participação dos estudantes que deixaram as escolas e a Universidade para auxiliarem os feridos, ou para produzirem ou adaptarem armamentos. Como faltassem armas, os alunos da Escola Politécnica usaram de um expediente engenhoso, o de utilizar matracas nas trincheiras porque o seu ruído, ouvido à distância pelas tropas contrárias, daria a impressão de que os constitucionalistas dispunham de metralhadoras.
AS MULHERES
Salienta-se o papel das mulheres que saíram de casa para auxiliarem o recrutamento de homens para o exército, quando elas não vestiram a farda masculina e se dirigiram à luta armada. Atuaram como ENFERMEIRAS (aulas no Inst. Biológico, na Cruz Vermelha, Cruzada Pró-Infância, Liga das Senhoras Católicas, etc.), e como COZINHEIRAS para as tropas e os quartéis. Foram também COSTUREIRAS: 70 mil cortaram fardas. Muitas cozinharam para as tropas, tricotaram para seus filhos e maridos que sofriam o inverno rigoroso nas trincheiras. Costuraram a bandeira de São Paulo.
Elas tanto pertenciam à alta SOCIEDADE COMO ÀS CAMADAS POPULARES
Entre as primeiras, salientam-se:
- D. OLÍVIA GUEDES PENTEADO, proferiu discurso convocando as mulheres na Rádio Record,
- NICOTA PINTO ALVES, anjo tutelar, foi em socorro das famílias dos combatentes paulistas
- MARIA JOSÉ BARROSO (Limeira, 1905- 11 fev. 1957) = MARIA SOLDADO, de cor negra, foi eleita mulher símbolo de 32.
Foi cozinheira da família Lébeis e de d. Nicota, deixou o avental e foi para o interior arregimentar negros e índios para a Revolução. Trouxe um grupo que acampou nos jardins do palacete dos seus patrões Pinto Alves. Vieram armados de facas e de facões. Pretinha e miúda, alistou-se na Legião Negra, lutou no front. Segundo escreveu o poeta Paulo Bomfim:
“No SETOR NORTE E NO SETOR SUL, lá estava Maria Soldado, com seu rosto cor da noite, sua alma de neve, seu sangue vermelho, formando uma bandeira paulista viva, conduzindo seus camaradas!”. Maria Soldado foi pipoqueira no Ibirapuera. Está enterrada no Mausoléu, ela e sua patroa. Dá nome ao Museu da Revolução.
(Homenagem a Sophia Naclério Homem: uma das muitas mulheres que, na retaguarda, costuraram fardas para os Soldados Constitucionalistas).
Mãos que deram proteção
Para o jovem combatente
Que lutou, seguiu em frente,
Num momento de pressão!
Mãos que compõem o uniforme:
A farda marrom: lembrança
Da busca pela esperança
Desta Terra que não dorme!
Mãos de mulheres gentis,
Juntas num só pensamento:
Extirpar o sofrimento
Do povo deste país!
Mãos incansáveis tecendo,
Costurando sem parar
Para o frio amainar
De um presente ascendendo!
Mãos mágicas de incentivo
À Revolução Paulista,
Para que sempre se invista
No civismo produtivo!
Entre os 18 mil combatentes paulistas, merecem destaque, principalmente, cerca de setecentos que faleceram nas frentes das batalhas. Apesar de terem lutado bravamente, acabaram por capitular, tendo cessado as hostilidades no dia 2 de outubro de 1932. Contudo, sua luta não fora em vão. Politicamente, saíram vitoriosos. Dois anos depois, Getúlio Vargas daria a tão almejada Constituição. Nela eram instituídos o voto feminino e a diminuição do limite da idade mínima do eleitor de 21 para 18 anos; direitos trabalhistas, pluralidade e autonomia sindicais, salário mínimo, jornada de oito horas diárias de trabalho, proibição do trabalho para menores de 18 anos, repouso semanal obrigatório, férias remuneradas, indenização por despensa sem justa causa, assistência e licença remunerada à gestante. Uma das conseqüências foi a eleição da primeira mulher deputada: Drª. Carlota Pereira de Queiroz.
Abortada pelo golpe do Estado Novo, em 1937, as conquistas da Constituição de 34 seriam restauradas nas Constituições de 1946 e 1988.
A Revolução Constitucionalista de 1932 mobilizou todas as classes sociais, credos e etnias. Brancos, negros e índios uniram-se num ideal comum: a defesa do Estado de Direito, isto é, da democracia, contra a ditadura. Apesar de que esta foi consolidada posteriormente, com o golpe do Estado Novo, dado em 1937, por Getúlio Vargas, o qual ainda seria reconduzido à presidência da República, pelo voto popular, em 1954. Entretanto, a Revolução deixou uma experiência positiva entre nós, o culto do exercício democrático, expediente que coloca o povo em estado de alerta face à ameaça do autoritarismo, sempre recorrente em nossa história, como observou o jornalista Ruy de Mesquita Filho. Salienta-se, ainda, a presença feminina na vida pública, em todas as profissões e setores da sociedade, concorrendo ombro a ombro com o homem.
Para concluir. devemos sempre nos lembrar da importante participação da Mulher Paulista na Revolução Constitucionalista, um dos maiores movimentos armados da história do Brasil. Colocadas sob segundo plano quando se trata da história das guerras. Contudo, mais de 72 mil mulheres provaram sua importância e o valor de seu legado, em 1932.
Honras às admiráveis mulheres paulistas que, com coragem e determinação deixaram um exemplo de civismo e determinação na luta pela Liberdade e a Democracia em defesa do Estado de Direito.
EU SOU A MULHER PAULISTA
Obrigada, Homem Paulista!
Em nome da vossa Mãe, em nome da vossa irmã, em nome da vossa esposa. O sangue “brasil” que circula nestas minhas veias, dá-me o sagrado direito de gritar neste momento tão decisivo para os destinos da nossa terra: Eu sou a Mulher Paulista. Sou filha e neta de Bandeirantes. Os nossos maiores que rasgaram brumas e brenhas, que traçaram, no planalto, caminhos, sonhos e destinos, vivem e exercem a sua influência sobre a nossa vida de todos os dias. Foi desse passado glorioso que nos vieram essa pujança afetiva, essa firmeza intrépida e esse indomável impulso para as causas que elevam as nossas capacidades físicas e intelectuais até às ambições sadias e boas de um futuro melhor.
A Constituição é a meta ambicionada. E hoje eu vejo gota a gota, passo a passo, dia a dia, se avolumar, despontar, crescer, florir, em torno desta Cruzada patriótica, toda a energia represada por muitos anos de opressão. Tudo o que vos anima neste momento. Homem Paulista, coragem, brio, consciência do dever, expansão cívica, já animou outrora os heróis das Bandeiras Paulistas, que revivem hoje nos nossos filhos, nos nossos pais e nos filhos, dos nossos filhos.
Estas palavras não são um apelo porque São Paulo já está de pé, já está alerta e intemorato na convicta esperança de que sejam bem compreendidos os seus ideais. Não. Não é um apelo. É apenas um agradecimento. Agradecimento humilde da mais humilde filha de Piratininga. Obrigada Homem Paulista!
Este texto foi lido por Dulce Amaral no microfone da Rádio Record e também foi publicado na Folha da Noite em 14 de julho de 1932.
A estas Mulheres maravilhosas nossas honras e eterna gratidão!