Em memória do professor Shozo Motoyama por Ruy Altenfelder
No último dia 26 de janeiro o professor Shozo Motoyama despediu-se desta vida de maneira característica de sua personalidade: tranquila, calmamente, enquanto descansava.
Era filho de imigrantes japoneses reformados no interior paulista. Seu pai, professor de Matemática, influenciou seu gosto pelas ciências naturais, o que o levou a fazer a graduação em Física na Universidade de São Paulo (USP), que concluiu em 1967.
Pensava em especializar-se em astrofísica, mas seu doutorado (1971) foi sobre a lógica da search in Galileu. Isso lhe valeu o convite para se integrar ao corpo docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Shozo Motoyama começou a se orientar a pós-graduação em história da ciência. Foi pioneiro no Brasil em criar linha de pesquisa inteiramente dedicada à história da ciência e da tecnologia. Em 1990 tornou-se o primeiro professor titular em história da ciência. Depois de seu pós-doutorado no Japão, foi coordenador do Núcleo de História da Ciência e Tecnologia no Brasil, com apoio da Unesco.
Por sua simpatia, simplicidade e facilidade em estabelecer contatos com pesquisadores diferentes linhas de pensamento foi essencial para a fundação, em 1983, da Sociedade Brasileira de História da Ciência. Criou e Centro Interunidades de História da Ciência na USP, que tiva a honra de integrar, convidada por Shozo. O centro tornou-se um polo de várias unidades que se interessavam pelo tema. Também criados laços estreitos com o Instituto Brasileiro de Filosofia, criado pelo saudoso professor Miguel Reale.
A produção bibliográfica de Shozo Motoyama se consolidou a partir da associação conjunta com Mario Ferri da obra História das Ciências no Brasil . As gerações mais novas de História da USP têm tido contato com a obra de Motoyama, como uma coletânea por ele organizado Prelúdio para uma História - Ciência e Tecnologia no Brasil, obra imprescindível, que li e reli.
Shozo alerta: “Existe uma história belíssima e fascinante que ainda não foi escrita - pelo menos não em toda sua plenitude. Trata-se da história da técnica, da ciência e da tecnologia no Brasil. Diante de tal afirmação, muita gente poderia fazer muxoxo e perguntar: que encanto há em uma coisa tão enfadonha como ciência e tecnologia, ainda mais em uma terra sem tradição de pesquisa como a nossa? Todavia, isso seria extremar um preconceito arraigado na sociedade brasileira, mas não necessariamente verdadeiro. Por que a ciência não emocionaria, se ela constitui em aventura palpitante com o objetivo de desvendar o desconhecido que existe na natureza e no universo? Por que a tecnologia não teria atrativos, se ela é o expediente mais eficaz para solucionar impasses e problemas da vida? E quem disse que o processo histórico vivido pelo país nada tem a ver com uma pesquisa científica e tecnológica? ”.
Presidente do Conselho Superior de Estudos Avançados (Fiesp / IRS) e convide-o apara integrá-lo e estabelecer valiosos contatos com as lideranças da indústria. Líder e modesto, organizou importantes simpósios na USP abordando temas relevantes, com expressiva participação de mestres e lideranças empresariais.
Na introdução de seu Prelúdio , Shozo cita Paulo Bonfim: “Se há reinos de mistério e fantasia, / Outros há que o temor inda discute ... / Partamos na manhã ensolarada / Dos restelos que habitam nossos peitos / Há de haver uma cruz toda estrelada / Guiando corações insatisfeitos ... / Andemos pelo tempo que é perdido / Buscando nosso mar desconhecido! ”.
Shozo Motoyama deixou a vida terrena e legou valiosas e imprescindíveis lições em seus magníficos livros. É a história da luta quase desconhecida dos pioneiros dessa área relevante, empenhados em implantar a ciência e a tecnologia no Brasil, que seus livros contam.
Na contracapa do Prelúdio para uma História , editado pela editora da USP, pergunta-se por que o Brasil não participou de grandes acontecimentos científicos e tecnológicos, como a revolução da teoria quântica, da relatividade e da informática. Ou, ainda, por que não surgiram pesquisadores e inovadores do porte de Heisenberg ou de Edison.
Para responder é necessário realizar uma incursão histórica até os nossos dias, analisando as diversas variáveis do processo. É o objetivo do magnífico livro organizado pelo professor Shozo Motoyama, contanto a saga dos pioneiros na sua luta para concretizar a cultura científica na sociedade brasileira.
Os simpósios organizados pelo professor Shozo despertaram também o interesse de estudantes pela área relevante da História. Participei da organização deles e o seu convite os coordenei. A modéstia de Shozo sempre se fez presente, pois sempre recusava os meus convites para integrar as mesas das reuniões. Permanecia distante, anotando como importantes citações dos professores professor.
Shozo era casado com Julia Mizuno Motoyama e deixa 2 filhos e três netos. Fará muita falta, deixa saudades.
Ruy Altenfelder: PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS (APLJ) E DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (CONSEA / IRS)