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  • Fonte: Di Bonetti

Ontem, 30 de setembro de 2024, Paulo Bomfim teria completado 98 anos. Acordei com o coração entristecido, pois a saudade, às vezes, é dolorosa. Data tão importante, mas, não consegui, encontrar palavras para homenageá-lo. Faço isso hoje.

Lembrei-me de como o poeta dizia frequentemente que seria centenário. Ele acreditava que, mesmo com duzentos anos nas pernas, continuaria lúcido e de bom humor. Esse era o Paulo Bomfim que conhecíamos.

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As lembranças dele me acompanham todos os dias. Além do retrato do poeta comigo em minha mesa de trabalho, alguns de seus objetos fazem parte do meu entorno. Há uma estante que antes abrigava seus livros portugueses, um porta-retratos aqui, uma caneta ali. Afinal, o acervo de documentos e fotografias dele encontra-se protegido na minha modesta casa.

São muitas recordações, mas uma peça especial merece que eu divida com você leitor, essa linda história.

Paulo Bomfim sempre foi alguém desapegado das coisas materiais, um espírito livre. Na nossa convivência, lembro em um dos almoços com amigos, um casal, olha para a estante de livros na sala e se referem a uma coleção de dicionários, apreciando. O poeta, no mesmo instante diz:

- Essa coleção já é do casal. Podem levar.

Sempre que ele se deparava com algum livro especial, dizia – esse livro tem que ficar com Júlio Medaglia, ele vai apreciar. E foram várias passagens que atestavam o desapego.

O último almoço na casa do poeta, antes de sua queda – que o levaria à internação, sem retorno ao lar – foi especial. Após a saída dos demais convidados, fui acompanhada por Paulo Bomfim até a porta de entrada. Ao olhar para o aparador, meus olhos se fixaram em um cachepô de porcelana, verde e rosa, com delicada pintura à mão, que sempre me encantou.

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Sem resistir, comentei: "Como essa peça é linda!". No mesmo instante, o poeta, com sua generosidade habitual, declarou: "É sua, leve agora."

Surpresa, retruquei: “Não posso desfazer o encanto de sua entrada, deixando este espaço sem essa maravilha.” Mas ele insistiu. Saí sorrindo, sem aceitar o presente, mas também sem conseguir acreditar na imensa generosidade daquele homem.

Paulo Bomfim partiu para sua viagem mais longa e para minha comoção, quando estavam dando destino aos seus bens, Helena, a cozinheira, alertou que aquela peça, com mais de 100 anos, o poeta, no último almoço com amigos, havia presentado a Di Bonetti, que não quis levar o cachepô, na ocasião, para não deixar vazia a entrada do apartamento.

Hoje, essa obra de arte, ornamenta minha sala, trazendo-me, diariamente, a lembrança de Paulo Bomfim.

Esteja onde estiver, feliz 98 anos meu querido Poeta.