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  • Fonte: Luiz Eduardo Pesce de Arruda

Luiz Eduardo Pesce de Arruda (Coronel da reserva das Polícia Militar e doutorando em História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie)
 
luiz eduardo pesceFayol, um dos pais da moderna Administração, definia as cinco funções do administrador em PO3C: Planejar, Organizar, Controlar, Coordenar e Comandar, esta última significando dirigir e liderar pessoas. Toda minha geração de alunos oficiais da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, no final dos anos 70, sabia isso de cor, graças às aulas inesquecíveis do capitão Leão Nazaré Avelino.

Liderar pessoas é uma ciência e uma arte. Os coreanos, em sua sabedoria milenar, herdada dos hindus e dos chineses, definem líder como “aquele que aponta o caminho”.
Isso posto, embora o líder prudente busque cercar-se de assessores competentes, a decisão sempre foi, é e será um ato solitário: se o líder aponta o caminho certo, sucesso. Se aponta o caminho errado, todos seus liderados vão para o beleléu. E o líder será exaltado ou responsabilizado pelas consequências. Isso é inexorável.
Ninguém pode ter 100% de certeza de que suas decisões são corretas.
O líder domina algumas variáveis, mas domina apenas relativamente outras, como o fluxo de fornecimento, por exemplo, onde ter dinheiro não significa poder comprar.
E poder comprar não significa que o produto chegará ao destino pois, em situações extremas, “cada um trata de si, irmão desconhece irmão”, como diria o filósofo Paulinho da Viola. Surgem aqui variáveis completamente incontroláveis, como o clima, a guerra, a peste.
Foi assim em 1940 quando o Brasil, tendo adquirido armamento da Alemanha – em guerra com o Reino Unido, mas não ainda com o Brasil – teve a remessa, já paga, embargada pela Marinha Real em Gibraltar, implicando em meses de tensas negociações para a liberação do lote.
- Mas nós pagamos adiantado! – insistiu o governo Vargas.
- Mas nós estamos em guerra e não podemos continuar permitindo que vocês enviem dinheiro ou carregamentos estratégicos aos nossos inimigos para pagar suas contas – contra argumentaram os ingleses.
O mundo ideal é o preconizado por Platão, por Santo Agostinho, por Thomas Morus, O mundo real, esse é o de Sun-Tzu e de Maquiavel.
O tempo nos ensinou a todos, em resumo, o que significa planejar.
Planejar é antever problemas. E resolvê-los antes que ocorram.
Planejar não exaure, jamais, todas as variáveis.
 Mas, por isso mesmo, devemos antever tudo o que de mau possa acontecer, buscar respostas para cada variável e, sobretudo, não nos permitirmos ser surpreendidos pois, na hora do embate, o volume de improvisos e de decisões baseadas em condutas de guerra – escolho que este viva, escolho que este morra – já ocuparão suficientemente o tempo do administrador.
Até – ou principalmente – por razões humanitárias, o planejamento deve antever riscos e evitar ao máximo decisões tão radicais que levem o médico, por exemplo, a ter de escolher, entre dois pacientes com insuficiência respiratória por COVID, qual ocupará um leito com respirador e qual aguardará seu triste fim no corredor, em meio aos estertores de uma crise respiratória aguda.
O paradigma de todos aqueles que confiam que estão na Terra para cumprir missão divina, escolhido por Deus para uma cruzada e que, desprezando todas as evidências, decidem com base tão-somente em sua inspiração é Adolf Hitler.
O gênio que desprezava seus generais, que corrompeu a universidade, a arte e a ciência, que escolhia quem tinha ou não direito à vida, tudo em vista de seu projeto de poder pessoal. E o mundo assistiu assobrado do que aquele demente foi capaz de fazer e todo mal que causou ao mundo, antes de matar-se em um bunker em ruinas.
Gestores não se conduzem tão dramaticamente. Mas devem decidir com serenidade, baseados em valores humanitários e em evidências: bibliografia, pesquisas científicas, acompanhamento das notícias, avaliação de ações comparadas entre nações, na resposta a um problema que breve o atingirá em cheio, um bom serviço de inteligência, opinião de especialistas.
E preparar-se. No caso do Brasil, o que pode dar errado, no caso do COVID? Como informar corretamente a população? Informações públicas em que não se confia e fatos relevantes levam a boatos, tão paralisantes e graves quanto a própria doença.  E se faltar vagas hospitalares para pacientes comuns? Cabe abrir vagas. Mais leitos de UTI respiratória? Providenciar. Como proteger os profissionais de saúde, expostos diretamente ao contágio? fabricando – ou importando - EPIs. Como proteger os profissionais de serviços essenciais, que precisam continuar nas ruas, a despeito do risco de contaminação? Dotando-os de EPI e criando protocolos que evitem ao máximo sua contaminação. E se houver um índice altíssimo de mortes, por dias seguidos? Como transportar esses corpos? Como preservá-los, até seu destino final? Teremos de alugar espaços ou caminhões frigorificados? Como sepultá-los ou cremá-los? Será preciso abrir novos cemitérios? Como proteger os sepultadores de contágio? E se profissionais de saúde se afastarem, por haver contraído a doença? E se sepultadores ou coletores urbanos se afastarem? Quem recolherá os resíduos domiciliares, seletivos e hospitalares? E se espertalhões resolverem aumentar os preços ou esconder os bois do pasto? E se os caminhoneiros pararem? Como evitar insurreições civis, de pessoas eventualmente movidas pela fome? Como alimentar e abrigar os mais vulneráveis? Como proteger empregos e salários?
Pode ser que algumas medidas tomadas em alguns estados e municípios brasileiros sejam exageradas? Claro que pode.
Na Polícia estamos acostumados a isso. Preparamo-nos para o pior e torcemos para que nada do que mobilizamos venha a ser empregado. Inclusive o pelotão de choque, mantido convenientemente fora das vistas do público e que, concluído o evento, deixa discretamente o local.
Quando tudo isso ficar para trás, pode ser que identifiquemos que foi um erro o isolamento horizontal? Pode ser. Que o impacto na economia e o desemprego poderiam ter sido evitados, sem comprometimento de vidas?  Talvez.
A pandemia, no Brasil, seja pelo clima, seja porque nossos meninos convivem com a vitamina S (que a campanha do Omo explorou competentemente, quando disse que se sujar faz bem), seja pela Cloroquina, seja por variáveis que ainda não desvendamos, pode passar como um mero surto, surpreendendo o mundo inteiro com o gênio (e a boa estrela) de nosso povo, como no dia em que Santos-Dumont voou no mais pesado que o ar ou o “Jahu” cruzou o Atlântico? Pode ser.
Queremos que seja. Esperamos que seja. Torcemos para que seja. Pedimos a Deus que nos livre e nos proteja.
Mas, há um problema:  só saberemos disso quando a pandemia passar.
Quem está disposto a jogar com a vida de seus liderados? Façam suas apostas!
 
SP, 07 de abril de 2020 – 22:00h