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  • Fonte: Helio Begliomini

Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário.” (George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair (1903-1950), escritor e jornalista inglês.)Helio Begliomini 505e9

É do escritor José Oswald de Sousa de Andrade (1890-1954, Figura 1), um dos grandes protagonistas da Semana de Arte Moderna de 1922 – manifestação literária e artístico-cultural ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo – efeméride já centenária, a seguinte frase: “A gente escreve o que ouve, nunca o que houve!”.

É interessante, elegante a até de aparência perspicaz, a contracena que ele deu ao verbo “ouvir”, colocado na terceira pessoa do singular do indicativo – “ouve”, com o verbo “haver”, colocado na terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo – “houve”, que apesar de conter a vogal “h”, ambos possuem a mesma fonética, mas de sentido por vezes até antagônicos.

Não sei exatamente as circunstâncias que levaram Oswald de Andrade a sintetizar esta frase. Contudo, exercitando a abstração, ela bem se aplica a situações que se referem a fofocas, diz-que-diz e mexericos. Por sua vez, sendo ele escritor e dizendo-se “a gente” – referindo-se a si mesmo e a outrem –, generaliza, banaliza e até pode desqualificar outros ou todos que militam nesse mesmo ofício.

 propósito, nem ele mesmo poderia imaginar que esse pensamento seria tão oportuno na hodiernidade, haja vista as famosas “fake news” – notícias falsas, ampla e despudoradamente disseminadas pelos mais diversos aplicativos atrelados à comunicação pela internet. Atualmente, inúmeras pessoas na ânsia de se evidenciar, de se divulgar, de buscar a fama amealhando seguidores, ou mesmo imbuídas por torpes motivos políticos – sem o menor preparo – tornam-se de um dia para outro, diante de uma câmera de celular – repórteres, jornalistas, cineastas, atores, comentaristas, experts, e, pasme-se, até juízes, médicos e cientistas, dando e espalhando celeremente palpites desqualificados, invertebrados, capciosos – verdadeiros embustes – mas, infelizmente, por vezes, emoldurados com penduricalhos convincentes a muitos milhares de incautos.

Há mais de meio século atrás e sem os recursos da comunicação hodierna, Winston Leonard Spencer-Churchill (1847-1965, Figura 2), renomado estadista britânico, escritor, memorialista e Prêmio Nobel de Literatura de 1953, já consignara de forma jocosa: “Uma mentira dá meia volta ao mundo antes que a verdade tenha tempo de vestir as calças”.

oswald e churchil 3f2d0Oswald Andrade          e                 Winston Churchill

Tirante o contexto de fofocas, humildemente, discordo da generalização da frase de Oswald de Andrade. Aliás, dizer a um jornalista ou historiador com sólida formação universitária, ou mesmo a um memorialista ou escritor que ele “escreve o que ouve, nunca o que houve!” é desmerecê-lo e até ofendê-lo. Por sua vez, um jornalista pode até escrever o que ouviu, desde que mencione no seu texto essa referência, ou que passe o que escutou pelo crivo da investigação dos fatos, e neles encontre evidências de que, o que ouviu, realmente aconteceu, ocorreu, existiu, com plena força da redundância que esses três verbos encerram. Em outras palavras, quando se procura seriedade num jornalismo investigativo ou num trabalho de historiografia, o “que se ouviu” tem que ter, necessariamente, elementos que comprovem veracidade na informação. Assim, o pensamento em comento, fora de um ambiente de leviandade, é também um elegante e sutil sofisma!

Contudo, estes comentários não têm, absolutamente, intenção de denegrir ou menosprezar o grande intelectual modernista que foi Oswald de Andrade, advogado e renomado escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro. Tencionei tão somente aduzir essa frase da autoria dele como mote ao singelo contraponto, que serviu de base a estas elucubrações no contexto jornalístico, historiográfico, memorialístico e das hodiernas fake news.