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  • Fonte: Estadão - Carlos Alberto Di Franco

A luz ainda brilha. A esperança ainda pulsa. Deus ainda é procurado – e encontrado – pelos corações jovens

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Roma viveu uma noite histórica. Um milhão de jovens, oriundos dos cinco continentes, reuniram-se em Tor Vergata, nos arredores da Cidade Eterna, para a grande Vigília com o Santo Padre, o papa Leão XIV. O mundo, acostumado aos ruídos de um cotidiano fragmentado, presenciou um fenômeno de unidade, beleza e transcendência. Um mar humano de cores, bandeiras, línguas e canções tomou conta do imenso campo aberto, transformando-o num coração palpitante da Igreja. Em tempos de indiferença e relativismo, ali proclamou-se – com cantos, lágrimas e silêncios – que a Igreja está viva. E que ela vive onde está Pedro.

Mas o dado mais eloquente daquela noite não foi o entusiasmo das canções ou a multiplicidade das culturas. Não foram os gritos de festa, os flashes das câmeras ou o colorido das bandeiras. Foi o silêncio. Um silêncio que falava mais alto do que qualquer palavra. Quando o papa se ajoelhou diante do Santíssimo Sacramento, aquele milhão de jovens – que minutos antes cantava, aplaudia e celebrava – caiu de joelhos. O campo se tornou um templo. A alegria deu lugar à adoração. O burburinho das línguas foi substituído por um silêncio denso, carregado de reverência e fé.

Esse foi o momento culminante de um encontro que ultrapassou as categorias convencionais. Tor Vergata não foi apenas um evento religioso, uma espécie de Woodstock cristão, como alguns quiseram rotular. Foi algo infinitamente mais profundo: uma epifania. A manifestação clara e inequívoca de que uma nova geração se levanta. Uma geração que se recusa a ceder ao cinismo, à descrença, à ironia barata. Uma juventude que não quer ser escrava do vazio. Que não aceita a anestesia da alma. Que clama – ainda que silenciosamente – por algo maior. Por sentido. Por verdade. Por fé.

Essa juventude, tantas vezes rotulada como líquida, apática ou relativista, mostrou ali o oposto: sede de valores sólidos, fome de beleza autêntica, desejo de santidade. Em meio a um mundo marcado pela corrupção, violência, hiperconectividade e hedonismo, Tor Vergata foi um grito silencioso: o mal não terá a última palavra. A luz ainda brilha. A esperança ainda pulsa. Deus ainda é procurado – e encontrado – pelos corações jovens.

Há uma inquietação saudável nas novas gerações. Uma rebeldia sadia. Uma sede que não se sacia com promessas vazias, com entretenimento raso ou com ideologias enganosas. Muitos desses jovens chegaram a Roma depois de longas peregrinações, enfrentando o calor, o cansaço, a distância. Mas chegaram com os olhos cheios de expectativa. Queriam ver o papa, sim. Mas, mais do que isso, queriam ver a si mesmos à luz de Deus. Queriam descobrir quem são, de onde vêm e para onde vão. E ali, na presença real de Cristo, encontraram mais do que respostas: encontraram um olhar. O olhar do Pai.

O papa Leão XIV, com sua serenidade, olhar firme e palavras doces, pareceu compreender a alma daquela multidão. “Vocês são a esperança viva da Igreja”, disse. Não como um slogan. Mas como uma constatação carregada de verdade e responsabilidade. O aplauso que se seguiu foi mais do que entusiasmo: foi uma profissão de fé. Uma confirmação de que, sim, a Igreja continua jovem. Não por causa da idade de seus membros, mas pela vitalidade de sua fé.

Há algo profundamente comovente em ver 1 milhão de jovens ajoelhados. Ajoelhar-se, no mundo de hoje, é quase um escândalo. É sinal de fraqueza para alguns, de submissão para outros. Mas, para quem crê, ajoelhar-se diante de Deus é o maior ato de liberdade. Porque é só diante d’Ele que o homem encontra sua verdadeira dignidade. Tor Vergata nos lembrou que ajoelhar-se não é humilhação: é elevação. Não é fuga: é encontro. Não é alienação: é reencontro com a realidade mais profunda da existência.

O que aconteceu em Roma foi um sinal. Um sopro do Espírito. Uma primavera espiritual que começa a despontar nos corações, especialmente nos corações jovens. E esse fenômeno precisa ser compreendido com seriedade. Não se trata de um surto religioso passageiro, mas de uma resposta clara à crise de sentido que assola o mundo contemporâneo. Numa época marcada pela superficialidade, pela cultura do descarte e pelo narcisismo digital, jovens reunidos em torno do papa, da Eucaristia e da oração são um testemunho profético.

A experiência de Tor Vergata deve, portanto, ser lida como um sinal dos tempos. E não um sinal qualquer, mas um sinal luminoso. Uma centelha de esperança num cenário muitas vezes sombrio. Uma lembrança de que, por trás das estatísticas e dos diagnósticos pessimistas, existe uma juventude que busca. Que luta. Que sonha. Que tem fé.

E o mais belo é que essa juventude não busca um Deus genérico, diluído, adaptado às modas do tempo. Busca a beleza da fé. Busca um sentido que não se esgota nos likes ou nas notificações. Busca um amor que seja eterno.

Tor Vergata não é passado. É profecia. E como toda profecia verdadeira, não grita – sussurra. Não impõe – propõe. Não acusa – convida. Aquele milhão de jovens, ajoelhados diante do Santíssimo, não estava fugindo do mundo. Estava sendo preparado para transformá-lo.

Carlos Alberto Di Franco, jornalista, ocupa a cadeira 14 da Academia Cristã de Letras – ACL e mantém coluna quinzenal em O Estado de S. Paulo, aqui reproduzida