Domingos Zamagna (*)
És católico? Então tu me entendes. Mesmo se ainda não foras católico, mas simplesmente cristão ou religioso, tu me entenderias também. Aliás, basta que sejas um ser humano - nem precisas ser dos melhores - e tenho certeza que me entenderás. Por quê? Porque quero falar-te de um homem igual a ti, absolutamente igual a ti: o padre, que no dia 4 de agosto - festa do Cura d'Ars - comemora o seu dia. A ele, porém, Deus confiou uma missão que o torna um homem de especial significação.
Onde encontrá-lo? Na rua, cada vez menos descobres a sua identidade. Uma pequena cruz, um colarinho num terno nem sempre bem cortado, enfim um discreto sinal pelo qual reconheces que ali vai alguém em que podes confiar haja o que houver. Ele foi criteriosamente talhado para isso. Para estar próximo de quem dele necessitar.
Houve um tempo em que o padre era reconhecido por suas vestes extravagantes, certas vezes até suntuosas. Esse tempo ficou para trás. Depois do aparecimento de algumas vanguardas estéticas (grunge, beat, punk, gótico, tropicalismo etc), a extravagância foi sobejamente homogeneizada. O que conta é que os padres se deixam cada vez mais impressionar pela frase de Jesus: "os que vestem roupas empoladas vivem nos palácios dos reis" (Mt 11,8). Para quem os conhece de fato, não pesa mais sobre eles a acusação de outros tempos, de que estavam mais próximos dos poderosos. Dependendo do conhecimento que tens da cidade em que vives, tu te surpreenderias ao ver vários deles vestidos como gente simples da rua, alguns dando atenção aos pobres nas calçadas frias, ou em favelas e cortiços? Não é o hábito que faz o monge!
Onde ele reside? Um padre maravilhoso, S. Vicente de Paulo (1581-1660), transmitiu no século 16 estes ensinamentos cujo espírito tem servido de orientação para algumas práticas eclesiais nos dias atuais: Tereis por mosteiros as casas dos pobres; por cela, vosso quarto de aluguel; por capela, a igreja paroquial; por claustro, as ruas da cidade; por clausura, a obediência; por véu, a santa modéstia. É da mais genuína tradição da Igreja a opção preferencial pelos pobres; nossos padres não só assumem a causa dos pobres, eles próprios são pobres. Mas não se trata de uma pobreza ostensiva. Num mundo em que o que conta são os bens materiais, o padre tem, quando muito, um apartamento modesto, um carro comum. Dentro de casa, a TV só é ligada de caso pensado. Atualmente até as TVs religiosas foram contaminadas por tolices; por isso devem ser vistas com parcimônia e suspicácia. Na época da estridência, o padre é um cultor do silêncio, desde que não confundamos silêncio com mutismo. Sua geladeira não estoca iguarias. Bebidas? Só as consentidas por sóbrias festas no recesso de um lar.
Que mais tem em sua casa? Um computador, certamente, porque é um homem de comunicação. O diálogo direto é imprescindível para o exercício do seu ministério, mas não pode abrir mão desse instrumento moderno para se comunicar com o bairro, com a cidade, com o país, com o mundo. Sua visão nunca é pequena, é cada vez mais ampla. O povo às vezes se espanta, porque a casa do padre tem também revistas, jornais e livros, muitos livros. Consumiu e consome boa parte da vida estudando. Mergulhou na história, filosofia, sociologia, psicologia, antropologia, para conhecer a natureza dos povos. Como conhecer a Deus sem conhecer o que é o ser humano, imagem de Deus?
Aprendeu línguas modernas, mas deu também especial atenção para o hebraico, o grego e o latim, às vezes com dificuldades - quem sabe até com heroísmo! - para estudar os originais e os primeiros comentários do Antigo e do Novo Testamento, pois ali estão os fundamentos da Teologia, da Liturgia e da Espiritualidade, sobre as quais se debruçou por cinco anos, ou mais, na faculdade. Deve dominar muito bem o nosso idioma. Por uma razão muito simples: se ele não souber falar, ou escrever, como poderá ser bem entendido?
Conheceu todas as tradições e correntes de pensamento do Cristianismo. Certamente afeiçoou-se mais com esse ou aquele pensador, essa ou aquela escola, o que lhe deu um feitio mais conservador ou renovador. Em todo caso, tudo o que faz é fruto de ideias amadurecidas, provadas, alicerçadas em valores. Porque não é um homem da moda, dos que falam somente para agradar plateias, baliza a sua vida pela oração dentro e fora do templo, pelos ensinamentos da Sagrada Escritura, dos Santos Padres, dos Concílios, dos Papas, das Conferências Episcopais. Obviamente, "mantendo-lhes o nervo e a ságoma", como dizia Murilo Mendes.
Tu te dás conta de quão difícil é, para um padre, cultivar a imperativa indignação profética diante da injustiça e ao mesmo tempo ser um artesão da paz e um arauto da misericórdia do Pai? De fato, o povo espera que o padre seja um irmão e um pai, que saiba administrar bem a sua comunidade, mas sem ser um soba ou um beleguim.
Talvez tu saibas que os padres, nos primeiros séculos da era cristã, podiam constituir família. Hoje isso só é possível no Oriente, onde a Igreja guardou a tradição de ordenar padres a homens casados. O que provavelmente ouves falar com frequência, ou lês sobretudo nos jornais, ou livros superficiais, é uma lista de motivos que nunca coincidem com a verdadeira razão de a Igreja exigir de seus padres a opção pela vida celibatária. Não se trata de conveniência, muito menos de menosprezo pelo casamento. Já leste, certamente, que São Pedro, o chefe do colégio apostólico, foi casado (Mt 8,14). A prática e sobretudo a qualidade da evangelização, contudo, passou a exigir dos missionários uma identificação cada vez maior com um Cristo tão despojado que renunciou até à constituição de uma família, para a consagração total ao Reino e ao serviço ao povo. Nunca duvides da integridade de cada sacerdote católico, aliás essa é até uma exigência para ser ordenado. Como em tudo na vida, alguns certamente traíram sua vocação, cometendo crimes que estão a exigir justa reparação. Mas não podemos generalizar, nem deixar que os poucos maus sacerdotes ofusquem a seriedade da maioria. Não aceites que te imponham uma visão distorcida sobre uma realidade que traz a marca do sobrenatural. Se souberes o que é a renúncia a um amor individual para abrir-se - generosa, equilibrada e alegremente - para um amor universal, unicamente por causa do Evangelho, saberás apreciar a razão pela qual a Igreja - a despeito de todas as dificuldades e até das defecções - insiste para que o padre canalize todas as energias da sua vida intelectual e afetiva para o serviço do Reino de Deus, do qual a Igreja é sinal na vida presente.
Se tens fome desse Reino, se não te deixas bafejar ou demover por qualquer religião recém inventada, se deixas que Deus inspire verdadeiramente a tua vida, então sabes onde encontrar quem foi escolhido pelo nosso Salvador para estar a teu serviço na fé. De todo ministro católico receberás o estímulo para a imitação dos Santos e sempre, incansavelmente, a recomendação de cultivar o amor filial pela Virgem Maria, Mãe de Deus, que jamais nos afasta, pelo contrário, nos encaminha seguramente para o verdadeiro amor a seu Filho Jesus Cristo. Do sacerdote ouvirás, com reverência e competência, a pregação da Palavra imorredoura, dele receberás na fronte a água do renascimento, a unção do Espírito que te prepara para o combate espiritual, o perdão de tudo o que te afasta do bem, a bênção sobre o teu compromisso de amor por um(a) companheiro(a) de vida e a educação de teus filhos, o viático para enfrentares a derradeira luta, antes que entres no gáudio do teu Senhor.
E se, no decurso desta vida de alegrias e esperanças (mas onde não há ser humano que desconheça a dimensão da Cruz) necessitares de um alimento que te robusteça a caminhada, saiba que Nosso Senhor concedeu a alguns, alguns que são como nós, saídos do meio do povo, mas aos quais reservou um privilégio/serviço jamais conferido sequer aos Anjos do Céu, é das mãos do padre que receberás o pão e o vinho que selam uma aliança verdadeiramente nova, tornados Corpo e Sangue de Cristo, pelos quais antegozas a alegria de uma união que jamais terá fim.
(*) Jornalista e professor em São Paulo.