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  • Fonte: Carlos Alberto Di Franco

O cinquentenário da visita de São Josemaría Escrivá é um momento propício para procurar resgatar valores que sempre fizeram do Brasil um país alegre, positivo e acolhedor.

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O padre Antônio Vieira dizia, num sermão de 1669, que “os olhos veem pelo coração”. Foi através do seu coração cheio de amor que, desde que aterrissou nesta terra, São Josemaría Escrivá viu o Brasil. Há exatos 50 anos, em maio e junho de 1974, o “santo do cotidiano”, na feliz expressão de São João Paulo II, visitou o Brasil e se apaixonou pelo que viu.

“O Brasil!” – exclamava diante de milhares de pessoas, no Centro de Convenções Anhembi. “A primeira coisa que vi foi uma mãe grande, bela, fecunda, terna, que abre os braços a todos, sem distinção de línguas, de raças, de nações, e a todos chama filhos. Grande coisa é o Brasil! Depois, vi que vocês se tratam de uma maneira fraterna, e fiquei comovido.”

Cativaram-no a diversidade de raças, a miscigenação, o convívio aberto e fraterno, a alegria, a musicalidade da nossa gente. Apalpam-se no Brasil, dizia ele, comovido, todas as combinações que o amor humano é capaz de realizar. Liberdade, tolerância e cordialidade, traços característicos de nosso modo de ser, atraíram profundamente o fundador do Opus Dei. São ativos importantes que, infelizmente, foram sendo fustigados pelo clima de polarização e cancelamento que tomou conta do mundo e do Brasil. O cinquentenário da visita de um santo é um momento propício para procurar resgatar valores que sempre fizeram do Brasil um país alegre, positivo e acolhedor.

Dia 25 de maio de 1974. Fazia menos de três dias que ele estava entre nós. Num encontro com casais, em São Paulo, deixou vazar os sentimentos que já lhe enchiam de alegria a alma: “Tanta terra e tão fecunda, tão formosa! Eu creio que as vossas almas são como esta terra: aqui tudo é generoso, tudo é abundante; os frutos deste país são mais doces, mais fragrantes (...). E, depois, vocês têm os braços abertos a todo o mundo: aqui não há distinções. Poderíamos repetir palavras da Escritura: gentes de todos os povos aqui encontram a pátria, uma pátria amadíssima. Eu já me sinto brasileiro (...). Meus filhos, tenho um grande remorso: não ter vindo antes ao Brasil”.

O coração paterno de São Josemaría captou também nossas imensas carências: “No Brasil há muito a fazer, porque há pessoas precisadas até das coisas mais elementares. Não só de instrução religiosa – há tantos por batizar –, como também de elementos de cultura comum. Temos de promovê-los de tal maneira que não haja ninguém sem trabalho, que não haja um ancião que se preocupe por estar mal assistido, que não haja um doente que se encontre abandonado, que não haja ninguém com fome e sede de justiça, e que não saiba o valor do sofrimento”.

A figura amável de São Josemaría e a força de sua mensagem tiveram grande influência em minha vida pessoal e profissional. Seu amor à verdade e sua paixão pela liberdade sempre me impressionaram profundamente. Trata-se de convicções que constituem uma pauta de atualidade permanente.

“Peço a vocês que difundam o amor ao bom jornalismo, que é aquele que não se contenta com rumores infundados, com boatos inventados por imaginações febris. Informem com fatos, com resultados, sem julgar as intenções, mantendo a legítima diversidade de opiniões, num plano equânime, sem descer ao ataque pessoal. É difícil que haja verdadeira convivência onde falta verdadeira informação; e a informação verdadeira é aquela que não tem medo da verdade e que não se deixa levar por desejos de subir, de falso prestígio ou de vantagens econômicas.” A citação, extraída de uma das entrevistas do fundador do Opus Dei à imprensa, é um estímulo ao jornalismo de qualidade.

Apoiado na força de sólidas convicções, o pensamento de São Josemaría suscita, ao mesmo tempo, uma visão aberta, serena, pluralista. Impressiona, e muito, o tom positivo da sua pregação. Sua defesa da fé, vibrante e comprometida, não é antinada. É a favor de uma concepção cristã da vida que não pretende dominar à força da imposição, mas, ao contrário, quer se apresentar como uma alternativa cuja validade depende da resposta livre de cada um.

Sua doutrina se contrapõe a uma doença cultural do nosso tempo: o empenho em confrontar verdade e liberdade. Frequentemente as convicções, mesmo quando livremente assumidas, recebem o estigma de fundamentalismo. É o covarde recurso de rotular negativamente quem pensa de modo diverso. Impõe-se, em nome da liberdade, o que se poderia chamar de dogma do relativismo.

Ao mesmo tempo que defende os direitos da verdade, São Josemaría Escrivá não deixa de enfatizar o valor insubstituível da liberdade humana – particularmente da liberdade de expressão e de pensamento – contra todas as formas de sectarismo e de intolerância. Para ele, o pluralismo nas questões humanas não é apenas algo que deve ser tolerado, mas, sim, amado e procurado.

Simpático e carismático, São Josemaría vislumbrava no cotidiano, nas coisas simples e comuns, o ponto de encontro entre Deus e os homens: “Ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida de todos os dias, ou não o encontraremos nunca”. O cristianismo encarnado nas realidades cotidianas: eis o miolo da proposta revolucionária de Josemaría Escrivá, um santo que se sentiu brasileiro.

Carlos Alberto Di Franco, jornalista, é titular da cadeira 14 na Academia Cristã de Letras – ACL e mantém coluna quinzenal em O Estado de S. Paulo