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Rosa Maria Custódio - (Abril/2007)

A notícia da morte de mais um bebê esquecido no carro do próprio pai deixa a sociedade perplexa. O que está acontecendo na vida dos pais que não estão mais conseguindo lembrar e cuidar de seus próprios filhos ainda pequenos, indefesos e necessitados de todo tipo de cuidados?

Em abril de 2006, um bebê, de um ano e três meses, morreu depois de ser esquecido pelo pai, de 35 anos, dentro de um carro. Após ficar trancado por mais de 5 horas, a criança, que sofreu parada cardiorrespiratória, queimaduras de primeiro e segundo grau e desidratação grave, faleceu. Agora, exatamente um ano depois, outro bebê, da mesma idade (um ano e quatro meses), foi esquecido pelo pai, um jovem adulto de 31 anos, e teve sua vida ceifada, antes mesmo de aprender a falar.

Esses fatos, ainda inusitados na nossa sociedade, são apenas sinais das dificuldades que as famílias modernas estão encontrando para subsistir num sistema de vida hostil e desumano. Pais adultos, formados, de classe média, morando na capital do estado mais desenvolvido do país, não estão conseguindo conciliar as exigências da vida familiar com as da vida profissional. O que dizer da maioria pobre da população, que quase não tem o que comer, o que vestir, e nem mesmo um lugar para morar com dignidade?

Centenas de outros acidentes trágicos e não tão trágicos, envolvendo bebês e crianças, acontecem diariamente nas periferias das pequenas e grandes cidades. Essas notícias não aparecem nos jornais porque parecem banais, não atraem a atenção dos leitores, não despertam a curiosidade do público. Ou talvez porque a sociedade, sem saber o que fazer, prefira não ver, não ler.

No caso dos bebês esquecidos, como se sentem esses pais, diante da tragédia que abalou profundamente suas estruturas mentais, emocionais e sociais? Como se sentem essas mães, que, na tentativa de se fazerem valer, profissional e socialmente, optaram pelo trabalho fora de casa e pela divisão de tarefas na vida doméstica e criação dos filhos? Culpados, muito culpados e profundamente abalados, com certeza. Não tem dinheiro no mundo, nem status social, que substitua a vida de um filho!

Acusá-los de negligência é fácil. Julgar é sempre fácil, quando nos distanciamos do problema, quando nos colocamos como donos da verdade, como se vivêssemos em outro mundo e estivéssemos livres de todas as mazelas sociais. Ou, quando nos distanciamos de nossas responsabilidades e nada fazemos para modificar as estruturas perversas de nossa sociedade (leia-se instituições públicas e governamentais), que tudo cobram do cidadão e, em troca, lhe oferecem apenas trabalho e dificuldades, num ambiente poluído, dominado pela injustiça, insegurança e violência.

Viver está ficando cada dia mais difícil. Se, por um lado, a longevidade aumenta, a qualidade de vida diminui, apesar dos avanços tecnológicos. O conforto da vida material moderna, que ainda é privilégio de uma minoria, tem como contraponto um stress emocional incalculável. E os laços de família, responsáveis pelo sentido e valores fundamentais da vida, transmitidos de uma geração à outra, estão se perdendo.

Os sentimentos de solidão, desorientação e depressão tomam conta das pessoas. Os velhos estão esquecidos nos asilos, ou vegetam, solitários, diante da tela de um televisor. Os jovens estão entregues às drogas e a todo tipo de abuso. Os adultos, que trabalham e pagam os altos impostos, vivem estressados e sem tempo para mais nada. E os pais estão esquecendo seus bebês...

Tudo isso nos faz refletir e pensar que está na hora de fazer uma reforma na estrutura da sociedade. Uma reforma que, para funcionar, deve começar na esfera individual e íntima. Todos são importantes neste processo, desde que cada um faça a sua parte.

Podemos começar, exercendo a nossa cidadania com consciência e responsabilidade. Trabalhar o necessário para viver bem e com saúde. Pagar menos impostos e taxas, cobrar mais daqueles que nos representam no governo e têm a obrigação de aplicar bem o dinheiro de nossos impostos. Acabar com a impunidade do bandido, com e sem colarinho. Fazer mais serviços voluntários na comunidade.

Voltar a reunir os parentes, no almoço dos domingos, pelo menos uma vez por mês, e valorizar as gerações mais velhas. Levar as crianças para passear mais nos parques e menos nos shoppings. Comprar menos supérfluos e valorizar mais as coisas da natureza. Tomar mais banhos de mar, olhar mais para o céu, contar mais estrelas, apreciar o amanhecer e também o pôr do sol, e agradecer mais a Deus por tudo isso. Enfim, valorizar mais a vida, nosso bem mais precioso.