Pergunto-me qual a razão de tantas e absurdas controvérsias sobre a Lei Maria da Penha?!
Será, tão somente, uma questão semântica, de pura interpretação, ou vai aí uma questão machista, tanto masculina quanto feminina, de ordem cultural?!
Sabe-se que a lei veio para coibir a violência doméstica contra a mulher, qual seja, a praticada no recesso do lar.
Por que uma lei tão especifica?!
Ora, historicamente tem-se que a mulher sempre foi discriminada, tanto pela sociedade como pela legislação. A subserviência da mulher era pública e notória.
Era a subordinação do feminino ao masculino. Do pai passava para o marido. Assim era. E pronto. A mulher era considerada e tratada como inferior. A ela cumpria obedecer. Acatar ordens.
O marido tinha o poder sobre a mulher, intervindo, inclusive, em questões particulares como seu modo de se vestir, se portar em público, seus hábitos e gostos pessoais. E de, até, castigá-la fisicamente caso lhe desobedecesse.
O Código Civil de 1916 minimizou algumas situações. Como se sabe, ainda optou por manter a mulher em situação inferior no casamento, assim como o de considerá-la incapaz!
Bem depois, veio o Estatuto da Mulher Casada, em 27 de Agosto de 1962 (Lei 4.121), atenuando o rigor do Diploma Civil, como por exemplo, o de a mulher não se submeter à decisão marital para os casos domésticos, o de poder aceitar mandato sem a permissão dele, etc. Sem mencionar outros que lhe deram poderes: como o de seu patrimônio não responder a dívidas assinadas pelo marido.
Com a Lei do divórcio (6.515/77) a mulher teve a opção de continuar ou não com o nome do marido.
Tais avanços tiveram seu ápice com o advento da Constituição de 1988, onde, finalmente, a IGUALDADE entre a mulher e o homem! Incondicionalmente!
MAS...
Eis que, a Lei Maria da Penha (11.340, 07/08/2006) veio regulamentar, nortear, dar maior efetividade ao parágrafo 8º, do Artigo 226, da C.F.
Reza tal dispositivo que:
“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Tantos quantos militam no direito, bem sabem que, para a preservação do Estado de Direito, necessário é o respeito às leis que, obviamente, emanam da Lei Maior.
Assim, a norma infraconstitucional dela oriunda há de ser cumprida, respeitada.
ORA, a lei Maria da Penha veio para regular, complementar, atender ao supra referido parágrafo 8º, do Artigo 226 da C.F., assim como o ECA, a Lei do Idoso, entre outras normas regularadoras.
Não se tem notícia de tantas discussões, obstáculos, entraves para o cumprimento dessas. Por que, então, para com a Lei Maria da Penha?!
Parece um ranço do passado que persiste, insiste em querer voltar às origens. Há um inconformismo, mormente pela ala masculina, de magistrados, delegados, policiais, em não querer ouvir, aceitar, tratar com dignidade e legalidade os casos de violência contra a mulher. Casos de toda ordem, os mais disparatados têm-se ouvido. Desde a declaração de inconstitucionalidade da lei até o de risos, pouco caso no trato dessas infelizes mulheres que, já envergonhadas por exporem suas mazelas, físicas e morais, ainda são obrigadas a comparecerem à Delegacia e relatarem sua situação.
Há que se dar um basta, nessa infâmia, nessa vilania!
Como não atentar para o fato de que a cada 15 segundos - QUINZE SEGUNDOS - uma MULHER é espancada. ESPANCADA!
Como não atentar para o fato de que vários casos relatados com antecedência à autoridade policial, de alerta para provável assassinato, foram depois consumados, diante do descaso aviltante?!
Aonde tudo isso levará a nós MULHERES?!
Qual a razão real para tanta discussão?!
Como interpretar a Lei Maria da Penha, senão a favor da própria mulher ofendida, maltratada, injuriada, machucada física e, principalmente, moralmente, onde suas feridas internas, invisíveis, ali estarão ad aeternum?!
Quando se coloca a discussão no âmbito familiar, não há que se ficar em discussões estéreis do que seja essa ou não!
A interpretação é a única possível. Uma só! Conclusiva! E todos sabem disso: é aquela que diz respeito à agressão sofrida por essa mulher, quer em casa ou fora de casa, oriunda da afetividade que tenha com o agressor, não sendo, necessariamente, de ordem sexual, pois que pode advir do pai, irmão, tio, primo (de um familiar).
Sabe-se quão tênue é a linha dos sentimentos afetivos e o poder de persuasão do agressor: físico, principalmente, exercendo pressão sobre a mulher. Esta, de uma forma ou de outra, fica submissa à situação, por amor a ele, aos filhos, à dependência econômica, psíquica, medo de ser morta. Os motivos, os mais variados, não importam. O que importa é ela ser alertada, orientada de que deve denunciar o agressor; ser orientada que será auxiliada, amparada. Que a lei Maria da Penha veio para dar o cabal respaldo a essa mulher, doa a quem doer. Que os princípios constitucionais da igualdade de direitos e obrigações para homens e mulheres hão de ser seguidos, obedecidos, sob pena de abalar o estado democrático de direito.
Frances de Azevedo - Cadeira 39 da ACL