O tema da desregulamentação ganhou destaque na agenda dos países como resposta ao excesso de normas que emperram a atividade produtiva. Para conhecer as razões de tal fenômeno, é necessário voltar ao tempo e buscar a gênese da regulamentação. Apesar de o Velho Testamento e o direito romano já mencionarem preços máximos e limites para taxas de juros, é mais recentemente que esse fenômeno tomou contornos mais precisos.
As funções tradicionais do Estado sofreram profundas alterações a partir do surgimento do problema populacional, como nos aponta Michel Foucault na Microfísica do Poder. A necessidade de cuidar do saneamento das cidades, da educação, da saúde, da segurança fez ampliar o leque de preocupações e motivações da estrutura estatal então vigente. A partir daí, temos assistido ao progressivo incremento das funções estatais, com a substituição do Estado liberal pelo Estado social, e a sua participação em grande número de setores, até o desempenho direto de atividades produtivas, passando pela disciplina das atividades econômicas, a chamada “regulação”.
Inicialmente, tais regras tinham por objetivo corrigir falhas do mercado, tais como os monopólios e oligopólios, ou a concorrência destrutiva,, do que decorreram normas de proteção aos produtores, visando resguardá- los dos efeitos danosos de tal competição. Daí em diante, em especial no caso brasileiro, passou-se a tomar como regra que, se existe algum problema, basta que o Estado edite algumas normas e a questão estará resolvida. A instabilidade é fator de perturbação do setor produtivo em geral. Na falta de políticas definidas a médio e longo prazos, a contínua intervenção do governo, não poucas vezes com visível teor casuístico, cria um clima de incerteza que afeta a normalidade dos negócios e retrai investimentos.
É necessário incrementar a luta contra o processo irracional de excessiva regulação, que obstrui os mecanismos naturais da produção, comercialização, financiamento e capitalização. Essa profusão de medidas provisórias, regulamentos, portarias, instruções e ordens de serviço, constituindo-se num autêntico cipoal legal em todos os níveis, é frequentemente alterada, gerando insegurança e tumultuando as relações normais do processo produtivo.
Quando, na teoria política, surgiu a questão do Estado, algumas correntes advogaram sua extinção, em razão de representar uma ameaça à liberdade humana; os liberais, por sua vez, reconheciam os riscos de ele vir a tomar-se um perigo. Porém, em vez de proporem seu aniquilamento, sugeriram seu controle, seja pelas formas legais, seja pelo equilíbrio e harmonia dos Poderes constituídos, de modo a aproveitar suas potencialidades, sem ferir a liberdade dos indivíduos.
Creio que a atitude frente à regulamentação deva ser semelhante. Caso ela se torne necessária em algum setor, a sociedade deve exigir que ela cumpra a finalidade para a qual foi criada e que os custos sejam compatíveis. Mais do que conceitos (ou preconceitos) ideológicos, interessa ao Brasil a verificação concreta de quanto se paga por essa estrutura e se esses gastos oferecem retomo satisfatório. Além da questão econômica, não podemos ignorar, nesta reflexão, o papel de nossa formação histórica, de corte ibérico, que resulta em suposta necessidade de controle permanente das atividades privadas, na qual a regra é a desconfiança a priori em relação aos agentes. Daí a pletora de órgãos com funções mal definidas e, muitas vezes, superpostas, cuja eficiência é reduzidíssima e com enorme custo. Veja-se, por exemplo, as dificuldades para realizar uma reforma administrativa ou do sistema previdenciário.
Creio que os primeiros passos para a desregulamentação e para a liberação da produção passam pelo debate desses temas, de modo que tenhamos um background de dados confiáveis, aptos a fundamentar decisões que, de um lado, liberem as atividades produtivas de encargos inúteis e dispendiosos e, de outro, quando se constatar que regulamentações sejam necessárias, cumpram-se os requisitos da democracia em sua concepção, eficiência em sua implementação, durabilidade no tempo, coerência interna e avaliação periódica e isenta de sua aplicação. 0 desenvolvimento econômico e social precisa de regras claras, previsibilidade. Liberdade para o desenvolvimento!
*Ruy Altenfelder - Advogado, presidente da Academia Cristã de Letras, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Fiesp/IRS)