Minha interpretação do artigo 142 da Constituição jamais poderia justificar golpe de Estado
De 1988 a 1998, Celso Bastos e eu comentamos a Constituição Brasileira em 15 volumes e quase 10 mil páginas, com algumas reedições e atualizações até a morte de Celso. Como tínhamos dividido os comentários ao texto por especializações individuais, com sua morte, não houve mais reedições.
Coube-me, na divisão do trabalho, comentar o artigo 142 da Carta, que muita gente, nada obstante as mais de 100 obras individuais e mais de 500 em conjunto que escrevi, com publicações de livros e artigos em 21 países, teima em pensar, numa visão distorcida, ser este comentário minha obra completa.
Neste artigo, com todo o respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, quero explicar aos meus raros leitores a interpretação correta da minha exegese reiterada no livro "Estudos Sobre o Direito Constitucional Contemporâneo", que coordenei com Carlos Valder Nascimento e Dircêo Torrecillas em 2014, homenageando o ministro Gilmar Mendes.
Reza o artigo 49, inciso XI o seguinte: "É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes".
São, pois, os poderes que o Legislativo tem para impedir que o Executivo e o Judiciário invadam suas atribuições normativas.
Coloquei-me, então, a seguinte questão: se o Poder Judiciário invadir a competência legislativa do Congresso Nacional, não poderia este recorrer ao Poder invasor. Como zelar, então, por sua competência exclusiva? Pareceu-me que apenas as Forças Armadas poderiam, pontualmente, sem desconstituição de Poderes, garantir a competência privativa do Parlamento, que deve zelar por sua autonomia legislativa perante o Judiciário naquela hipótese específica.
À evidência, tal interpretação jamais poderia justificar um golpe de Estado ou uma violação do Estado democrático de Direito, algo que desde agosto de 2022 mais reiteradamente vinha afirmando, ou seja, que as Forças Armadas são escravas da Lei Suprema e nunca se prestariam a um golpe. Dizia isto por, durante 33 anos, lecionar direito constitucional e conjuntura na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército para coronéis, dentre os quais, no fim do curso, seriam escolhidos os generais de Brigada.
É evidente que as decisões da Suprema Corte devem ser respeitadas e cumpridas, o que farei a partir do julgamento da ADI 6.457. Confesso, entretanto, que continuo com a dúvida não solucionada pela maioria já formada pelo STF no que concerne ao artigo 142 da Constituição Federal.
Se o Poder Judiciário invadir a competência legislativa do Congresso, como deverá o Parlamento proceder, em sua prerrogativa exclusiva de zelar pelo seu poder-dever de elaborar as leis? Recorrer ao próprio Poder invasor?
Percebe-se, pois, que, apesar da admiração e respeito que sempre demonstro pelos ínclitos ministros da Suprema Corte, minha perplexidade não foi resolvida.
Nos meus 60 anos de magistério universitário e 89 anos de idade, reconheço ser ainda um professor limitado, incapaz de responder a questões elementares que os jovens podem dar respostas sem dificuldade.
Ives Gandra da Silva Martins: Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra.