A Constituição brasileira de 1988 estabeleceu no art. 37 que a administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade. Estado, como pessoa, é ficção. Não faria sentido falar-se em Estado ético ou em Estado aético. Éticos ou aéticos são os seres que integram o Estado.
A administração pública brasileira, como vimos, se submete ao princípio da moralidade. O Estado tem a obrigação de se conduzir moralmente por expressa determinação constitucional. Não poderá transigir com o princípio da moralidade, seja no desempenho das funções primárias e diretas, seja na área de atuação que assumiu para corresponder à vocação do Estado do bem-estar ou nas atribuições ordenatórias e fiscalizatórias da atividade privada. Em tudo isso, como adverte José Renato Nalini, o poder público pode vir a ser responsabilizado se não estiver gerindo a coisa comum de maneira eticamente irrepreensível.
Foi o que inspirou o constituinte de 1988. Fazer o administrador refletir sobre os aspectos éticos de sua atuação. Perquirir se a alternativa adotada está conforme os ditames da moral que, por ser administrativa, não precisa ser ontologicamente diversa da moral coletiva. Ao contrário, o administrador há de refletir os valores de sua época e não poderá contrariá-los.
O chamado salto qualitativo ético só virá quando toda a sociedade estiver desperta para a fiscalização do trabalho do governo. Este, como ressalta Nalini, só se legitima se estiver a serviço do povo. O mandato do governante foi outorgado pelo povo, titular da soberania.
Ives Gandra da Silva Martins, em mais um de seus notáveis artigos, lembra que cada brasileiro deve ter consciência de que o governante está a seu serviço e não ele a serviço do governante, e que é bom governante é aquele que tem como meta exclusiva servir ao cidadão. O Estado precisa encontrar fórmulas para se relacionar com o povo, retomar o caminho da ética.
Os governantes têm o dever de zelar pela observância da ética pública enquanto os cidadãos têm o direito de exigir e reclamar dos governantes os deveres da ética privada (conteúdos e condutas). Em 1999, foi criada no Brasil a Comissão de Ética Pública, vinculada ao presidente da República, competindo-lhe, entre outras atribuições, elaborar o código de conduta das autoridades no âmbito do Poder Executivo Federal.
O código trata de um conjunto de normas às quais se sujeitam as pessoas nomeadas pelo presidente da República para ocupar qualquer dos cargos nele previstos, sendo certo que a transgressão das normas não implicará, necessariamente, violação de lei, mas, principalmente, descumprimento de compromisso moral e dos padrões qualitativos estabelecidos para a conduta da alta administração. Em consequência, a punição prevista é de caráter político: advertência e censura ética. Além disso, é prevista a sugestão de exoneração, dependendo da gravidade da transgressão.
Como adverte o ex-presidente da Comissão de Ética Pública Américo Lourenço Masset Lacombe, “tendo a Constituição juridicizado a ética, esta deixou de ser um conjunto de normas de conduta voltadas para cada um em particular, pois, no centro das considerações morais da conduta humana, está o eu, conforme lição de Hannah Arendt. Passou, assim, a ética a ter status jurídico e interessar diretamente ao Estado, visto que ele está no centro das considerações jurídicas da conduta humana.
A função de uma comissão de ética pública vai além da obrigação de alertar o Poder Executivo de eventuais desvios dos auxiliares. Tem ainda função de afastar o ceticismo e desconfiança da sociedade com os poderes públicos. Para tanto, deve lutar para que a postura ética impere em toda a administração. Nada pode ser mais nocivo ao desenvolvimento de uma sociedade do que a falta de confiança nos poderes constituídos, do que a descrença na própria capacidade de superar as dificuldades, do que a falta de amor próprio, de orgulho do seu passado e de crença no futuro”.