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  • Fonte: Carlos Alberto Di Franco

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A História mostra que projetos construídos de costas para a política terminam em decepção ou autoritarismo

 Recente editorial do jornal O Estado de S. Paulo precisa ser lido e refletido por todos aqueles que, sinceramente, prezam a democracia. O espectro do niilismo político é o título da nota publicada no sábado, 24 de agosto, data que evoca o suicídio do presidente Getúlio Vargas, político e estadista que marcou fortemente a história deste país.

O editorialista fez uma análise preocupante a respeito da eleição municipal da maior cidade brasileira. Radicalização e extrema polarização são, mais uma vez, os ingredientes que vão sendo aquecidos no caldeirão da ausência de propostas, incapacidade de diálogo e morte da política.

 O editorialista foca sua lente num personagem novo, mas que traz no seu DNA o velho veneno de demonização da política: Pablo Marçal. Dizendo barbaridades, não apresentando propostas sérias e apostando no conflito radical, Marçal tenta cativar o eleitorado de Jair Bolsonaro. Nada disso, no entanto, justifica a indevida censura judicial que lhe foi imposta.

 Bolsonaro, embora entranhado no sistema (foi deputado em várias legislaturas), cresceu à sombra da descrença na política e da defesa de valores conservadores. Marçal, como bem frisou o editorialista, “usa a impopularidade da esquerda como pretexto para atacar seu verdadeiro alvo: a política”. Tem o perfil de um aventureiro.

Os aventureiros são sedutores, bons encantadores de serpentes. Mas a História mostra que projetos construídos de costas para a política terminam em decepção ou no autoritarismo dos pretensos salvadores da pátria.

Vamos, amigo leitor, fazer um exercício retrospectivo. Em 1964, sob o pretexto de preservar a democracia, os militares tomaram o poder. E o que se anunciava como intervenção transitória, com ânimo de devolver o poder aos civis, se transformou numa longa ditadura. A imprensa foi amordaçada. Lideranças foram suprimidas. Muitas injustiças foram cometidas em nome da democracia. Lembro-me da decepção de um primo-irmão de minha mãe, o professor Antonio Barros de Ulhôa Cintra, ex-reitor da Universidade de São Paulo e ex-secretário da Educação do Estado. Seu espírito liberal e independente, incompatível com a mentalidade de pensamento único que então prevalecia, provocou a ira dos donos do poder. Como ele inúmeros brasileiros, cultos e intelectualmente inquietos, escorregaram para o limbo do regime. Resistiram empunhando as armas da inteligência e da autoridade moral que não cede à sedução do poder.

A atual situação do Brasil preocupa. E muito. O desencanto da população é imenso. Os Poderes da República, isolados no bem-bom da Ilha da Fantasia, vivem de costas para a cidadania.

O Congresso Nacional, com exceções que devem ser registradas, está de costas para a sociedade. Está “se lixando” para a opinião pública. O abuso das emendas parlamentares, que o ministro Flávio Dino tentou, corretamente, dar um freio de arranjo, acabou vencendo a parada.

A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder e poder é ferramenta poderosa para obter dinheiro. É disso que se trata. O poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder. Saiba que, atualmente, você faz pouca diferença quando aperta o botão verde de alguma urna eletrônica para apoiar aquele candidato que, quem sabe, possa virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais.

O sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer. Hoje, teoricamente, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar campanhas sofisticadas e boa performance no mundo digital. A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagens bem conhecidas no mundo político: emendas parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.

As classes dirigentes estão entupidas de privilégios. Os partidos são balcões de negócios. O Executivo gasta muito e mal. Promove a jogatina, uma verdadeira tragédia moral, para faturar com impostos. E agora nos brinda com o maior IVA do mundo. O Judiciário está insensível e politizado. A Corte Suprema é hoje uma das instituições de menor credibilidade. O fato de que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) não possa ir a um restaurante com tranquilidade é muito preocupante. Mas mais preocupante é a ausência de uma autocrítica que tente entender as razões de tamanha rejeição.

 O cenário é desanimador? Sim. Mas quem escreve esta coluna, por paradoxal que possa parecer, é um otimista. Acredito no Brasil e na democracia. Como bem sublinhou o editorial do Estadão, “não se pode abafar o grito de desespero nem menosprezar a revolta do eleitorado. Há algo de podre na democracia brasileira. Mas não se reformará a democracia destruindo a democracia”. Diante de manifestações tão formidáveis de antipolítica, é preciso valorizar ainda mais a política, o diálogo e as posturas propositivas.

O Brasil não pode continuar refém de aventureiros. Precisa de estadistas que sejam capazes de descortinar sonhos e projetos do tamanho deste país continental.

  

Carlos Alberto Di Franco, jornalista, ocupa a cadeira 14 na Academia Cristã de Letras – ACL e mantém coluna quinzenal em O Estado de S. Paulo, aqui reproduzida