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  • Fonte: José Renato Nalini

     É paradoxal o status afetivo de São Paulo no coração dos brasileiros. Convicto de que “elogio em boca própria é vitupério”, não preciso enfatizar o que somos e o que representamos. Não só para o Brasil, mas para o mundo. Mas, é preciso reconhecer, humildemente, não agradamos a todos.

     A História é permanentemente revista. Nossos bandeirantes eram considerados os alargadores de fronteiras, os que tornaram letra morta o Tratado de Tordesilhas. Os que asseguraram esta imensidãoNalini 7 3abea de território, na verdade um continente, que permaneceu coeso enquanto as colônias espanholas se fragmentaram. Hoje, são apontados como violentos caçadores de índios, genocidas, brutos e cruéis.

      O Rio, capital da Colônia, do Vice-Reino, do Império e da República, sempre teve suas regalias por hospedar a elite e o poder. Durante a discussão no Parlamento imperial sobre a localização das duas Escolas de Direito que Pedro I queria criar, para formar a burocracia autônoma, desvinculando-se de Coimbra. São Paulo foi execrada: falava péssimo português, era terra provinciana, onde só chovia e cujo povo comia formiga. Foi preciso que Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, impusesse a verdade: São Paulo seria o berço ideal para as ciências jurídicas. Sua mocidade não teria os divertimentos da Corte, um atrativo para dispersar a vontade de estudar e aprender.

      Em 1932, São Paulo assimilava as mensagens de 1922, de 1924 e de 1930 e exigia uma Constituição democrática. Traído, lutou sozinho contra todas as forças que já se aninhavam, como continua a acontecer, no colo tutelar do governo da União. Os paulistas mostraram sua coragem, determinação, coerência e coesão, pois não foi um movimento restrito aos que pegaram em armas, lutaram e morreram. Foram as famílias paulistas, as mulheres paulistas, as crianças paulistas que sabiam estar em jogo algo muito mais importante do que a batalha cruenta. Era o fundamento democrático de uma sociedade civilizada que corria perigo. Não era maior do que o que agora ronda a Nação.

        A partir daí, apesar da proclamação de “vitória moral”, São Paulo paga um preço por haver repudiado a tirania. Foi acusado de separatista. Sua economia consegue carregar o fardo de um coronelato que ainda mantém estruturas de um Estado ineficiente, sugado pelo crescente agigantar-se de cargos, funções e burocracia. O discurso de “locomotiva da nação” não surgiu por acaso. É só comparar a performance bandeirante com a dos demais Estados-membros da Federação.

         Uma revanche contra São Paulo, que conclamou a nacionalidade a assumir um protagonismo pelo Estado de direito e pela democracia veio com a sub-representação de seus parlamentares dentro da Câmara Federal. É inadmissível que a Câmara dos Deputados, instância representativa do povo, subestime a importância paulista e emascule sua cidadania. São Paulo tem setenta deputados federais, embora sua população corresponda a praticamente um quarto dos habitantes do Brasil.

          Não se discute essa perversa diminuição da importância paulista junto ao Parlamento, absorvida num cenário político-partidário que só oferece testemunhos lamentáveis de retrocesso democrático.

          São Paulo continua a ser a meca de todos quantos necessitam do melhor tratamento médico-hospitalar do Brasil, comparável com os mais avançados do planeta. Possui três Universidades estaduais que são nicho de excelência e a Universidade virtual poderá seguir pelo mesmo caminho, se perfilhar a tradição de USP, UNICAMP e UNESP.

         A capital bandeirante, esta insensata conurbação de quase vinte e cinco milhões de seres humanos, pois a ocupação adensada não respeita fronteiras, frágeis e fictícias convenções formais de limites entre municípios, possui menos paulistanos do que provenientes de todos os lugares. É uma vis atrativa que explica seus encantos, mas também seus problemas.

       As críticas à Semana de 22, ressalvada a boa intenção de alguns, reflete – ao menos em parte – esse ressentimento contra São Paulo. Terra que também perdeu a coesão de 32. Há muitas dissensões em todos os setores. Naquilo que guarda pertinência com a minha vida profissional, vejo que outras regiões do País fazem convergir seu apoio a pretendentes aos cargos nos Tribunais Superiores. Esquecem-se diferenças paroquiais e somam-se esforços para o êxito da empreitada. Quando o candidato é paulista, os próprios conterrâneos elaboram dossiês para derrubar o concorrente. Por isso é que a representação paulista nas Cortes federais é desproporcional à importância do núcleo jurídico bandeirante.

         Quando surgirá alguém capaz de somar os anseios, de liderar este povo que trabalha, paga a conta e não vê retorno justo para o seu investimento?

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.