(1ª parte)
Flávio A. Quilici - Membro das Academias: Campinense de Letras, Cristã de Letras, Campineira de Letras e Artes
MEDICINA E RELIGIÃO (1ª parte)
A Medicina e a Religião estão interligadas desde o início dos tempos. O homo sapiens sempre se preocupou com sua saúde e suas doenças. Sabemos por achados arqueológicos que, cerca de 10 mil anos a.C., já havia os cuidadores (médicos) dos enfermos e feridos, com várias denominações pelas antigas civilizações: xamãs, curandeiros, magos etc. E por eles, havia muito respeito, confiança e fé, os quais para os tratamentos utilizavam de magias, superstições e fitoterápicos.
Na Mesopotâmia, bem como nas demais civilizações antigas, há mais de 5 mil anos, a Medicina tinha uma aura mística e os médicos pertenciam, em grande parte, à classe sacerdotal, convivendo direto com os monarcas. Os indivíduos de todas as origens, quando preocupados com sua saúde ou mesmo adoentados ou feridos, procuravam por templos e igrejas, aonde iam, muitas vezes, na busca de um milagre.
Ao redor de 800 a.C., iniciou-se na Índia uma grande mudança na Medicina: ela passou a ser relaciona a fatores naturais, afastando-se da magia. Logo após (século IV a.C.) na Grécia, começou a separação entre Medicina e Religião e o início da sua racionalização, cujo expoente foi Hipócrates, até nossos dias, considerado o pai da medicina ocidental.
ORIGEM DO CRISTIANISMO
Os judeus imigraram para a Palestina, vindos da Mesopotâmia, no ano 2 mil a.C., levando sua cultura e religião. No século VI a.C., Javé (Yahweh), traduzido como Jeová para o português, foi proclamado por eles como único e verdadeiro Deus do mundo, criador do universo e dos primeiros seres humanos. Foi quando o judaísmo passou a ser uma religião monoteísta, sendo desta data, a coleção de escritos religiosos dos hebreus, o principal deles, O Antigo Testamento (Bíblia Sagrada).
No primeiro livro da Bíblia, Gênesis, há a história da criação do mundo e da espécie humana. Interessante notar que na criação de Adão e Eva no jardim do Éden, há dois atos médicos praticados por Deus: o primeiro anestésico – o adormecimento de Adão –, outro cirúrgico – a retirada de sua costela – para a criação de Eva. A partir de então, segundo as escrituras, a humanidade espalhou-se pelo mundo e ocorreu a escolha de Abraão para o pai de uma grande nação.
INÍCIO DO CRISTIANISMO
Jesus de Nazaré, nascido na Galileia entre os anos 6 e 3 a.C., e falecido em 33 d.C., foi um carpinteiro judeu que viveu na Palestina judia, uma província romana. Era hebreu na raça, cultura e religião, tendo como guia o Antigo Testamento. Tornou-se profeta ao redor do ano 30 d.C., pregando um Deus único, compassivo, misericordioso, de todos os homens, raças e credos. Seus princípios eram: caridade, amor, humildade, compaixão, sinceridade e redenção do ser humano. Seus ensinamentos logo se tornaram muito populares, adquirindo inúmeros seguidores, em especial, judeus humildes, enfermos e necessitados, tendo dentre eles, várias mulheres, devido sua grande valorização feita por ele, numa época em que eram subjugadas, vilipendiadas e sem direitos. Entre seus seguidores, 12 foram especiais, seus apóstolos, que o seguiram por toda a Palestina e, após sua morte e ressureição, divulgaram suas profecias. Jesus foi considerado por todos eles como o Ungido, o Messias!
Esse fato trouxe-lhe sérios conflitos com as autoridades da região – os sacerdotes judeus e o governo romano provincial –, sendo por eles considerado rebelde, perigoso e subversivo religioso, político e social. Acabou preso e julgado, em 33 d.C., primeiro pelo Sidério, a mais alta corte judaica e após, pelo governador da Palestina, Pôncio Pilatos. Em ambos foi condenado à morte por crucificação.
CRISTIANISMO
É considerada uma religião abraâmica, baseada nos ensinamentos de Jesus Cristo, o Profeta, a quem seus adeptos acreditam ser filho de Deus e o Messias da religiosidade judaica, o prometido nas Escrituras Hebraicas (Antigo Testamento). Com sua morte e ressureição, seus seguidores obtiveram a redenção dos pecados da humanidade e garantia de vida eterna. Desta maneira, seus ensinamentos e crenças difundiram-se, continuamente, por várias épocas e continentes.
No início do cristianismo houve um médico especial, Lucas, o Evangelista, grego formado na cidade de Antióquia, capital da província Síria da Antiga Grécia. Ele, um gentio, converteu-se cristão através do apóstolo Paulo e tornou-se discípulo dos 12 apóstolos. Mesmo não tendo convivido com Jesus, escreveu o terceiro Evangelho, cuja narrativa é baseada em depoimentos de pessoas que testemunharam a vida e a morte de Jesus Cristo. Sua importância é creditada por relatar como o cristianismo cresceu de um movimento pequeno e frágil, dentro do judaísmo, para se tornar a maior religião do mundo.
(2ª parte)
CRISTIANISMO NOS SÉCULOS I A IV
As autoridades continuaram a temer os princípios do cristianismo e, por isso, seus seguidores eram perseguidos, presos, torturados e mortos. Mesmo assim, os cristãos continuaram a multiplicar-se e difundirem-se porque, em geral, ajudavam os pobres, famintos e órfãos; cuidavam e alimentavam os enfermos independente de credo ou raça; davam segurança aos fiéis numa época de tantas dificuldades; e, sobretudo, pela crença na vida após a morte. Seus ensinamentos nestes três primeiros séculos propagaram-se pela vasta área do Império Romano.
CRISTIANISMO NA IDADE MÉDIA
Nos séculos V a XIV, ele tornou-se a força dominante na Europa, tendo grande influência religiosa, política e cultural. Participou da formação civilizatória e da medicina ocidental, permanecendo como modelo de caridade, boas ações e compaixão ao próximo, além dos cuidados com o bem-estar dos enfermos.
Na Era das Trevas (séculos V a IX), aconteceu o fato mais relevante na história do cristianismo: o Imperador Romano Constantino, tornou o cristianismo como religião oficial do, desde então, denominado Sacro Império Romano, que se expandindo para toda a Europa. Este período, no entanto, causou um grande atraso à Medicina Ocidental porque ficou restrita aos mosteiros e aos monges, onde havia pouca cultura e muitas superstições, prevalecendo a fé e a Bíblia como norteadoras para a Medicina. Com o conceito de quem curava era Deus, tendo como adjuvantes vários santos, não havia necessidade de médicos para o atendimento aos doentes.
Mesmo assim, houve várias ações positivas, como a criação de instituições assistenciais, tais como, para pobres, anciões, órfãos e enfermos (os nosocômios). Outra, foi o Monastério de Monte Cassino, fundado por Bento de Núrsia (São Bento), um oásis de desenvolvimento médico que serviu de modelo para a formação de vários outros pela Europa.
No final do século IX d.C., os padres beneditinos fundaram um hospital, na cidade portuária de Salerno (sul da Itália), o qual deu origem à primeira escola de medicina europeia: a Escola Médica de Salerno. Nela, já havia pesquisa científica e os médicos eram diplomados, sendo precursora das primeiras universidades medievais.
Os maiores avanços médicos na medicina europeia começaram na transição da Era das Trevas para a Era da Fé (séculos X a XIV), quando houve a identificação de contágio das doenças e o início da adoção de medidas sanitárias nas principais cidades. Foi quando ocorreu a regulação do ensino e da profissão médica.
Fato importante deste período, ocorreu no ano de 1130 d.C. no Concílio de Clermont, convocado pelo Papa Inocêncio II, quando se proibiu a prática de Medicina aos monges, porque os distraia das suas obrigações principais com a Religião e com a Igreja Católica.
Nesta mesma época, a religião cristã impulsionou a criação de hospitais na Europa, sobretudo, no século X, através dos conhecimentos médicos árabes e dos hospitais militares trazidos pelas Cruzadas. Estes hospitais foram exemplos de solidariedade humana, embora o grave costume de colocar mais de um paciente por cama, facilitando a transmissão de doenças infecciosas.
No século XII, iniciou-se a Medicina Escolástica, ensinada nas primeiras universidades medievais. Elas foram santuários de instrução e cultura, seus professores tinham conhecimento teórico-prático e o ensino médico realizado em um curso regular, redescobrindo as obras e ensinamentos dos médicos clássicos greco-romanos.
CRISTIANISMO NA IDADE MODERNA
Mudanças profundas ocorreram no cristianismo a seguir, na Idade Moderna, séculos XV a XVIII. Uma delas, deveu-se através das pandemias mundiais, em especial, a Peste Negra (Bubônica), entre os séculos XIV e XV, que dizimou a população europeia: morreram cerca de 25 milhões de indivíduos (um terço da população). Esta catástrofe trouxe grande valorização médica, bem como, ao cristianismo, porque a maioria dos cristãos ajudou aos afetados pela peste. Outra foi a Secularização (século XV), definida como o direito dos estudos e dos conhecimentos serem passados independentes dos dogmas religiosos, iniciando o movimento para a secularização definitiva da Medicina Ocidental. A última mudança aconteceu no século XVI, a Reforma Protestante, que desafiou as doutrinas e práticas do catolicismo romano.
Neste século XVI também, surgem as Santas Casas de Misericórdia brasileiras, seguindo modelo hospitalar de Portugal, dirigidas pelos jesuítas no período colonial, cujo objetivo era filantrópico, atendendo enfermos pobres e indigentes.
CRISTIANISMO NA IDADE CONTEMPORÂNEA
A partir do século XIX ocorreu seu maior crescimento, expandindo-se pela África e Ásia, e sua diversificação (protestantismo). O cristianismo passou a ser uma Religião Global, a de maior influência duradoura na história da humanidade, com um importante legado nas artes, filosofia, moralidade, instituições sociais e na Medicina.
Até nossos dias, é inspiração para milhões em trabalho meritório diante dos desafios, sobretudo, do século XXI. O cristianismo simboliza e evoca o conceito fundamental da Medicina: o “Respeito à Vida” pela Fé, Amor, Caridade, Tolerância e Humildade!