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  • Fonte: Geraldo Nunes

Em quase todas as cidades brasileiras, existe uma rua ou avenida de nome Castro Alves. Na cidade de São Paulo, a rua que faz homenagem ao poeta abolicionista, fica na Aclimação e um fato que me deixa feliz é ter residido neste logradouro algum tempo.

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O historiador Odécio Bueno de Camargo aponta em seu livro lançado em primeira edição no ano de 1949 com o título, “Castro Alves Estudante em São Paulo” que o magistral poema “Navio Negreiro”, foi concluído nas terras de Piratininga, em contrariedade ao que informa Afrânio Peixoto, seu principal biógrafo.

Afrânio define que a conclusão se deu no Recife, onde o poeta inicia seus estudos em Direito e lá conhece Eugênia Câmara, atriz portuguesa dez anos mais velha, separada do marido e com uma filha, verdadeiro escândalo para a época. Ela o impulsiona em defesa da causa abolicionista. Como aluno, após inúmeras discussões com um professor, Castro Alves e seu colega de sala de aula, Ruy Barbosa, pedem transferência para a Academia do Largo São Francisco, em São Paulo.

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Eugênia acompanha o namorado poeta de apenas 20 anos, belo, sedutor e apaixonado. Na capital dos paulistas, Castro Alves se torna aluno relapso, interessado mais em teatro e poesia do que nos estudos, mas termina aprovado ao final do terceiro ano. Ninguém previa que iria terminar a vida tão cedo, sem se tornar advogado. Sua relação com Eugênia Câmara acaba de modo abrupto, com traições de ambas as partes e magoas, porque um poeta jamais se furta ao amor.

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Existe uma versão em São Paulo que o poema “O Laço de Fita” foi dedicado a uma formosa jovem paulistana chamada Maria Amália Lopes de Azevedo: “Não sabes crianças? Estou louco de amores...Prendi meus afetos, formosa Pepita. Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas? Não rias, prendi-me num laço de fita...”

A “formosa Pepita” mais tarde se tornaria dona das terras que hoje compõem o bairro do Tremembé ao qual Maria Amália Lopes de Azevedo dá nome à principal avenida. Tal versão, entretanto, que faz dela a musa inspiradora de “O Laço de Fita” não é confirmada pelos historiadores.

Um infausto acontecimento vitimou Castro Alves, estudante de Direito em São Paulo e o obrigou a amputar o pé esquerdo. Também para este triste fato existem várias versões. A mais aceita é que o tiro de espingarda se deu de forma acidental, quando o poeta caçava perdizes em meio às chácaras do Brás ou da Mooca, mas Odécio Bueno de Camargo, aponta ter sido no bairro da Consolação pelo fato do médico que lhe prestou os primeiros socorros residir naquelas imediações.

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Antônio Frederico de Castro Alves, nasceu no dia 14 de março de 1847, em Curralinho – BA, que passou a ter o nome do poeta a partir de 1881. Lá viveu parte da infância em uma fazenda e ao se tornar adolescente sentiu o desabrochar da poesia em sua vida, aos 15 anos, quando publica seus primeiros versos.

Estudante de Direito, passou a ser notado nas sessões públicas da faculdade, em Recife, ao recitar para as plateias: “Quando nas praças se eleva do povo a sublime voz, um raio ilumina a treva, o Cristo assombra o algoz…...A praça é do povo, como o céu é do condor, é o antro onde a liberdade cria águias em seu calor...”

O poema “O Povo ao Poder” revela para os brasileiros o aquele que seria o maior dos poetas do século 19. “Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes... Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade, tanto horror perante os céus? São os filhos do deserto, onde a terra esposa a luz, onde vive em campo aberto a tribo dos homens nus.” Este é um dos trechos de Navio Negreiro, escrito pelo poeta dos escravizados.

Ao sair com os amigos para uma caçada, passeio comum dos jovens aos sábados, naquela São Paulo de outrora, o criativo poeta leva consigo uma espingarda pendurada no ombro com o cano voltado para baixo. Ao saltar sobre uma valeta, a arma dispara e o atinge violentamente no calcanhar do pé esquerdo.

Socorrido, passa meses hospedado em uma casa da Rua do Imperador, onde está hoje a Praça da Sé, na esperança de ver melhorar o ferimento, mas surge a gangrena e o pé precisa ser amputado. Viaja para o Rio de Janeiro e como já enfrentava os males da tuberculose, seus médicos percebem que ele não suportaria o clorofórmio, único anestésico até então.

Heroicamente, Castro Alves enfrenta o martírio da amputação acordado, teve apenas um lenço para morder a fim de mitigar a dor. A cirurgia realizada nos primeiros dias de junho de 1869, foi noticiada pelo jornal paulistano Ypiranga, em 21 de julho daquele ano.

Desse acontecimento tem início a convalescença que se dá em Salvador, de volta ao seio familiar, onde o poeta recebe uma prótese de madeira para se deslocar com o auxílio de muletas. Sua condição de saúde frágil pelo avanço da tísica, nome que se dava à tuberculose, o grande mal do século 19, fez modificar as belas feições do poeta que aos poucos foi definhando, menos sua inspiração. Uma nova paixão passa a movê-lo, embora não correspondida pela atriz e cantora lírica italiana, Agnesi Trinci Murri.

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A última aparição pública de Castro Alves, acontece em março de 1871, quando diante de uma plateia de convidados expressa seu amor por Agnesi com o poema “Gondoleiro do Amor”, lido em voz alta; “Teus olhos são negros, negros, como as noites sem luar... São ardentes, são profundos, como o negrume do mar. Sobre o barco dos amores, da vida boiando à flor, douram teus olhos a fronte do gondoleiro do amor...”

A cantora o responde com afeto e interpreta trechos de “O Guarani”, de Carlos Gomes. Poucos meses depois, Castro Alves se despediria deste mundo, a 6 de julho de 1871, com apenas 24 anos de idade. Respeitado e amado pela sensibilidade de sua poesia, ficará para sempre nos corações de brasileiros e brasileiras.

Castro Alves passou por este mundo como a força de um furacão que chega devasta e segue em busca do desconhecido. Será lembrado sempre. Bem fazem as cidades que batizam suas ruas com o nome que faz homenagem a Castro Alves.

Geraldo Nunes, jornalista e escritor, ocupa a cadeira 27 da Academia Cristã de Letras – ACL.