Durante vários anos trabalhei com membros do Executivo e em Casas Legislativas. Devo dizer que com alguns políticos aprendi muito. Mas conheci também, e bem de perto, um tabuleiro de interesses, muitos deles escusos, até criminosos e, curiosamente, efetivados dentro do mais perfeito aparato legal. De um secretário de estado ouvi que, após a posse, ele passou um ano tapando os ralos por onde corria grossa corrupção, com toda a aparência de utilidade pública. Vi as "rachadinhas" bastante generalizadas e a farsa processual para encobrir os denunciados. Notas fiscais falsificadas. Um governador cometeu a gafe de querer inaugurar uma praça esportiva que só existia no papel, inclusive com aprovação do Tribunal de Contas.
Mais uma vez, a campanha eleitoral agita o Brasil. Os partidos quase sempre são uma ficção, súcubos de uma corrupção visceral, espontânea ou induzida. A televisão dá grande visibilidade aos candidatos, sobretudo nos debates. Mas ainda não aprendemos a realizar debates. Todos têm uma formatação artificial. As emissoras fingem que estão interessadas na democracia. Os candidatos fingem que são democratas desejosos de servir à Nação. E os marqueteiros, a preço de muito ouro, treinam seus clientes para que se apresentem aos eleitores como cidadãos competentes, conhecedores dos problemas do povo, prometendo mil coisas. Têm que dar a impressão que são íntegros, merecedores dos votos de quem é obrigado a votar.
Quem acha que há exagero nesta descrição, certamente é porque não dedicou algum tempo a examinar os programas e os debates na televisão e no rádio. Cenas patéticas, quase sempre repletas de mensagens genéricas, sem provisão de recursos, um festival de voluntarismo, com tantas repetições que levam muitos a crerem no palavreado. Às vezes a vulgaridade é delirante, chegando ao ápice da violência verbal e até física. Uma alucinação. As raríssimas exceções não chegam a oxigenar o ambiente, acenar com horizontes politicamente sadios, economicamente viáveis, eticamente amadurecidos.
O pior é que não se progride, em cada eleição tudo se tornando mais turvo, mais medíocre, ainda que tecnologicamente mais pirotécnico, como se a política tivesse feito irremediável pacto com o horror. É claro que há quem nos diga que põe a mão no fogo por um parente, amigo ou colega candidato. Podem até acontecer essas raridades. O fato é que quase sempre trata-se de um engodo. Acabam virando políticos profissionais, alguns com mandatos que duram várias décadas. Serão artífices de realizações apenas inerciais,
atoladas na burocracia, na autorreferência, no desperdício, na camuflagem.
Pobre de um povo que não cuida da qualidade do voto, que esquece rapidamente em quem votou, que não cobra, não pressiona, não acompanha os eleitos, que não exige austeridade e prestação de contas. Que não se informa do que acontece, que não faz leitura crítica dos noticiários, que não
deseja renovação de mandatos. E, o pior de tudo, é que reelege os
incompetentes e os corruptos, além de alçar à condição de parlamentares ou prefeitos, quem não tem condições de sê-lo.
Claro que a solução não é acabar com os processos eletivos. Eles são conquistas imprescindíveis para o funcionamento de uma democracia. Devem ser ciosamente preservados, mas é preciso sempre aperfeiçoá-los. Não se pode desperdiçar tão importante oportunidade de solidificar a justiça e combater as desigualdades. Não custa recordar que, por cada quatro anos de parlamento medíocre e executivo ineficiente serão necessárias, supondo o retorno da racionalidade, décadas para sanar os estragos.
Domingos Zamagna é Jornalista e professor de Filosofia. Ocupa a Cadeira n.28 da ACL