De há muito venho pensando a respeito da "gramática machista" (argh!), o que me assanhou a tomar uns apontamentos.
Creio que a questão já está nos fóruns competentes, embora não tenha ganhado as ruas, nem pautado o grosso da sociedade. Nem de longe. Mas a academia não pode desdenhá-la. Portanto, a questão deve ser enfrentada, sobretudo da pertinência ou não do uso institucional dessa variante despropositada e apressada em veículos e documentos. Isso poderia quem sabe ser padronizado como disciplinamento normativo.
É irresistível indagar a esse respeito:
— Como ficam os deficientes visuais, os portadores de dislexia, autismo e outros fatores limitantes diante dos grafemas utilizados no lugar do “a” e do “o”? Sei que os aplicativos voltados para os cegos não entendem o "x" e "bugam"...
— Quais artigos definidos empregar em vez dos artigos definidos “binários”? E as adjetivações? Como fundamentar seu uso?
— A língua é fonética. Como pronunciar a letra “x”?
Devemos levar em conta que a vogal temática “o” não necessariamente designa apenas o sexo masculino, visto que o masculino plural designa e contempla cidadãos de todos os sexos e isso deriva do Latim. Portanto, nem sempre a vogal temática define gênero. A nossa morfologia nos traz, por exemplo, “dentista” e “motorista”, duas categorias profissionais. A persistir o contrassenso de campanhas em prol de uma gramática “inclusiva” precariamente embasada, vai chegar o tempo de pretenderem grupos radicais de grafar “dentisto”, “motoristo”, “estudanta” a pretexto de desfraldarem bandeiras inclusivas e identitárias. A palavra “religião” por exemplo termina com a vogal “o” e não é palavra masculina. Dizemos: “a” religião.
Há que se pôr cobro a esses modismos!
A linguagem neutra traria um sem-número de dificuldades de ordem ortográfica, morfológica e cognitiva.
Em face da defasagem do ensino da língua portuguesa e da depreciação da correção idiomática cultivada entre nós, não seria a chamada “gramática inclusiva” um retrocesso ao aprendizado do vernáculo já tão deficiente no nosso país criando-se mais uma modalidade de difícil assimilação? Num cenário tão escasso de horas-aulas do currículo dos Ensinos Médio e Fundamental consagradas ao estudo do português?
Senão, vejamos:
O chargista Laerte passou se identificar muito mais com o sexo feminino a partir de uma etapa de sua vida e, assim, se sente pertencido socialmente. Passou a adotar o “a” como artigo definido. Prefere ser chamado “a” Laertes. Por outro lado, o filho da cantora Gretchen passou a se identificar na sociedade e a reagir nos atos da sua vida civil muito mais como homem. Agora, faz questão de ser inserido como "o" Thammy, seja lá qual for sua preferência sexual.
Por mais que seja diversa a gama, o espectro de gêneros representados, creio que o “a” ou “o” contempla bem a órbita dos seres humanos.
Acontece que eu sou, sim, um enfatizador, um caixeiro-viajante da norma culta para soerguer a expressão das pessoas no geral e é o registro exemplar que deve prevalecer no ensino. Se quiserem empregar essas heterodoxias à vontade informalmente, encaro numa boa, inclusive, nas redes sociais, em mensagens descontraídas, de cunho particular. O que me preocupa é o emprego em comunicações escritas, documentos oficiais, na academia, textos legais, livros técnicos, livros didáticos, circulares, memorandos. É da natureza do gramático ser um pouco conservador e prezar a ESTABILIDADE e não aderir ao laisser faire, laisser passer e ao vale-tudo para agradar e prestigiar grupos. Insisto: "Eles e elas" comportam sim o espectro dos gêneros. Dizer "brasileiros" comporta, por exemplo, todos os habitantes e cidadãos da pátria, nada obstante o desnecessário vocativo empregado por Sarney no pórtico dos seus pronunciamentos ("Brasileiros e brasileiras" [sic])
Data venia, vejo como um disparate querer abrigar na linguagem essas invencionices de gênero absurdas. Não me parece que isso possa substancialmente alterar o quadro do machismo nas nossas relações. Nesse particular, prefiro ações efetivas. A língua é dinâmica, sim, mas esse "lobby" do "todes" não tem um ano que começou a ser ventilado. Há que haver certa maturação antes da consagração no nosso "corpus" linguageiro. Uma perigosa inserção a pretexto de um discurso identitário pode ferir de morte um patrimônio multissecular imperecível.
Onde vamos parar?