Há 90 anos os católicos brasileiros invocam Nossa Senhora da Conceição Aparecida como Padroeira do Brasil
A singela imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi encontrada por pescadores no rio Paraíba há pouco mais de 300 anos, em outubro de 1717. Em pouquíssimo tempo tornou-se objeto da veneração dos fiéis.
Apesar da devoção a Nossa Senhora Aparecida ter mais de 300 anos de história, a invocação mariana de Padroeira do Brasil só foi oficialmente reconhecida há 90 anos. Esse reconhecimento ocorreu durante um Congresso Mariano realizado na cidade de Aparecida no ano de 1929, um certame que reuniu bispos, sacerdotes, religiosos e inúmeros leigos e leigas, especialistas em história e teologia de todo o território nacional O pedido foi oficialmente direcionado ao Papa Pio XI (Papa entre 1922 e 1939) através do paulista Cardeal Dom Sebastião Leme (1882-1942), Arcebispo da capital federal (Rio de Janeiro). O Arcebispo de São Paulo era Dom Duarte Leopoldo e Silva e São Paulo só veio a ter um cardeal em 1947, com o mineiro Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta.
O reconhecimento pontifício se deu em 16 de julho de 1930, época de convulsão política no Brasil. Em plena crise provocada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, afetando as economias de todos os países, nossa nação vivia o final da República Velha, com a deposição do Presidente Washington Luís em outubro de 1930 e o golpe de estado que impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, favorecendo a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.
Em face das incertezas sobre o futuro do País, a Igreja católica aproveitou as circunstâncias para mostrar que detinha a confiança do povo no caso de alguma aventura de caráter esquerdista, ao mesmo tempo que o Papa Pio XI combatia as duas frentes extremistas na Europa (comunismo e fascismo).
No dia 30 de maio de 1931 a imagem foi transladada da (antiga) basílica e conduzida por via férrea, num vagão-capela, até a capital da República, sendo acompanhada por Dom Duarte, clero, autoridades e numerosos devotos, inclusive os que se postavam ao longo dos trilhos no longo percurso da viagem.
No Rio de Janeiro, a pequena imagem foi acolhida na estação D. Pedro II com honras de chefe de estado e transportada em carro aberto até a igreja São Francisco de Paula, com todos os sinos da cidade repicando e alvoroço de fogos de artifício em sua homenagem. Calcula-se que estiveram presentes naquela recepção mais de um milhão de pessoas, fato então jamais registrado na história do Brasil. Dom Sebastião Leme, presidindo uma soleníssima celebração de Missa campal, fez a leitura do decreto papal e logo depois realizou-se o ato de consagração do País a Nossa Senhora Aparecida. Juntamente com os devotos estavam presentes o representante pontifício (Núncio apostólico Dom Aloísio Masella), 25 bispos, o chefe do governo provisório da República (Getúlio Vargas) e todas as autoridades diplomáticas, civis e militares.
O título de Padroeira do Brasil é oficialmente reconhecido pela República Federativa do Brasil através da Lei n. 6 802, de 30 de junho de 1980 (governo João Figueiredo- Aureliano Chaves), conferindo ao dia 12 de outubro a condição de feriado nacional.
Os fiéis das religiões não-católicas, quiçá pouco tolerantes, são críticos a essa manifestação. Talvez por não entender a dinâmica da religiosidade popular, apressadamente difundem que a Igreja católica promove uma “adoração de imagem”. Nem adianta invocar a língua portuguesa, que sabe fazer a distinção entre “veneração” e “adoração”, esta ultima prestada unicamente a Deus. Os mais tolerantes e conhecedores da sociologia religiosa, entretanto, vêm paulatinamente valorizando as formas da religiosidade do povo e destacando, ao lado do aspecto propriamente religioso de um ícone achado por gente humilde e que permaneceu várias décadas na casa de pobres, a forma de protesto e desejo de mudanças das instituições (inclusive e sobretudo as instituições religiosas) que se aproximam e se beneficiam das estruturas de poder.
(*) Jornalista profissional, professor universitário e membro da Academia Cristã de Letras.