O centro da cidade de São Paulo, maior cidade do país, e também a capital do Estado mais rico do Brasil, há muito tempo vem sofrendo um violento processo de degradação da mais ampla abrangência, que não se coaduna com a grandiosidade contextual da cidade. É vergonhosa a quantidade de lixo esparramado pelas calçadas de suas vias e praças, além de milhares de mendigos e drogados que reviram sacos de lixo atrás de comida, e depois se amontoam e dormem jogados pelos cantos e calçadas, indiferentes ao mal que causam a si e à cidade, promiscuindo totalmente a feição da nossa urbe bandeirante. Indigno retrocesso que vem se impondo num moto-contínuo avassalador.
Isso, por consequência, vem criando um estigma por parte da população residente naquela região da cidade, que se afasta dali em face da periculosidade que representa tal degradação. Acrescente-se a isso, a migração de certos serviços tradicionalmente estabelecidos no local, e que, por tais razões, vêm optando por outras regiões da cidade. Fato, aliás, que não pode ser negado nem mesmo pela banalização da retórica política, porque se lastreia em verdade factual insofismável.
Observe-se que, não obstante os serviços públicos de limpeza existam de fato, eles são precários e insuficientes em face da real demanda. Isso porque, sequer dão conta de manter os logradouros públicos limpos como deveriam e, por conseguinte, jamais poderão ser considerados um modelo apropriado e digno a pessoas civilizadas.
Apesar de o poder público, sistematicamente, afirmar o contrário, basta um pequeno “giro” (pior se for noturno) para que se constate a realidade simplesmente degradante.
Grandes hotéis voltados ao acolhimento de turistas das mais diversas origens, restaurantes de nível, escritórios de grandes e expressivas empresas, bem como, famílias que, tradicionalmente, habitavam a região central, todos, sem exceção, vêm abandonando tal espaço da cidade, antes atraente, de charme bucólico e pacato, vocacionado à melhor convivência.
A descaracterização dessa imagem acolhedora tem sido assaz violenta, face à transfiguração havida (e exposta a olho nu a quem quiser constatar).
E, pior, gestores do poder público responsáveis por zelar e manter não só a ordem pública, como ainda, sua fisionomia arquitetônica, vêm, sistematicamente, omitindo-se de seu mister administrativo e, descaradamente, reiterando situação inversa.
É inconcebível a mantença do “status quo” quanto a certas edificações antigas, absurdamente desordenado e precário, atentando contra a ordem social. Edificações comprometidas pelo tempo e aproveitadas sem qualquer critério ou consciência por falsos empresários que exploram esses imóveis degradados (na verdade, cortiços) de maneira extremamente temerária (se considerado, em especial, o fator insalubridade neles reinante), tanto quanto, criminosa, amontoando neles toda sorte de pessoas, desde trabalhadores humildes até bandidos de alta periculosidade que ali se abrigam e se escondem.
E, nessa vala comum, todos, indistintamente, são explorados de maneira perversa pelos ditos senhorios, que os mantém em condições subumanas e a preços exorbitantes, atentando contra a dignidade e a saúde dessas pessoas já desprovidas de tudo, quiçá dos próprios sonhos e esperanças.
E não há leis, nem vontade política, eficazes à solução desses problemas sociais.
E isso vem contribuindo, em escala crescente, contra a saúde, a segurança pública e, consequentemente, também contra a própria imagem da cidade, interna e externamente.
Em seu mérito, essa lide deveria estar voltada a resultados práticos, dos quais tal região tanto carece quanto aos objetivos necessários à solução dos mesmos.
Portanto, o centro de São Paulo não tem apenas problemas com o planejamento e uso do solo urbano propriamente dito, mas, em especial, com a degradação das condições às quais estão submetidos todos os moradores e famílias de bem que ali restaram e que ali permanecem, certamente não por opção de vontade própria, mas, em decorrência das condições sócio-econômicas a que estão sujeitos, vez que, estas retratam a realidade das limitações condicionadas pela capacidade de um poder aquisitivo permitido pelo salário médio dessa população honesta. População, por sinal, que só é lembrada quanto à sua importância em épocas que precedem as eleições. Depois... bem... depois é mero saco de pancadas.
Neste sentido, urgem mudanças prementes na legislação, objetivando permitir e agilizar as soluções demandadas a fim de se sobreporem às picuinhas legais que, costumeiramente, obstam o avanço dos resultados satisfatórios em benefício real da cidade e de sua gente.
De toda forma, referidas condições de degradação, em ambos os casos, decorrem do demérito de gestores que não encaram o problema de forma prioritária, como seria de se esperar (entenda-se: transgressão do dever funcional ou, simplesmente, pura inércia administrativa inadmissivelmente recorrente).
No mérito, seria de se esperar que nossos políticos observassem os modelos significativamente auspiciosos adotados por governos de cidades estrangeiras (cidades, diga-se, onde a maioria de nossos gestores costumeiramente frequenta), e modelos que poderiam ser adotados aqui, face à sua eficiência amplamente comprovada de maneira cabal em suas origens.
Aos eleitos à função de administrar é hora de administrar, de governar, e não apenas de se portarem quais “pretensos gestores públicos”. A cidade de São Paulo, com sua grandiosidade e tradição, não pode admitir aventuras administrativas e gestões “faz de conta”, como as que vêm levando ao abandono e ao desprezo algumas de suas principais referências: respeito, segurança e tradição arquitetônica (tão rica e, ao mesmo tempo, tão relegada), e com isso, a uma desfiguração inconcebível de seu berço histórico... ou seja, do cerne de sua alma.
Reinaldo BressaniI - MTB. Nº 57.696 - CRECI/SP Nº 39.861