Aconteceu na última terça-feria 17/3/2020, a posse da nova Diretoria da ACL, com a presença de poucos acadêmicos e dois convidados, por conta do risco de contaminação do Coronavirus. Mas, o entusiasmo do novo Presidente Helio Begliomini, e a importância de seu discurso não tiraram o brilho da noite, já que em breve o vídeo do discurso estará disponível neste site, e poderá ser assistido por todos. A Acadêmica Raquel Naveira, fez um depoimento emocionante e declamou uma de sua inúmeras poesias. Em breve todos poderão conferir no vídeo que está sendo editado.
Abaixo, discurso de posse do novo Presidente: Helio Begliomini
Academia Cristã de Letras – Vinte Anos Depois[1]
“A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás;
mas só pode ser vivida, olhando-se para frente”.
Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855), filósofo, teólogo, poeta e crítico social dinamarquês, precursor do existencialismo.
No ensejo deste exórdio peço licença para oscular e colocar a medalha de membro titular que recebi há vinte anos, ao me tornar membro titular desta honorável grei. Talvez esses dois singelos gestos possam sintetizar melhor a minha fala.
Neste mês – março de 2020 – está completando quatro lustros que ingressei na querida Academia Cristã de Letras. Confesso que já conhecia e tinha notícias desse sodalício havia pelo menos uns 15 anos. Na naquela ocasião, soube através da imprensa, que existia vacância em uma de suas cadeiras e ambicionei, debalde, pela primeira vez, ingressar em tão distinto e cobiçado sodalício. Quanta pretensão e ousadia de um cândido jovem, para não dizer “adolescente” nas letras de então!
O tempo passou, como sempre, muito veloz e, muitos anos depois, surgiria uma nova vacância, que me seria indelevelmente favorável.
Na ocasião, a Academia Cristã de Letras era presidida pelo preclaro professor da Universidade de São Paulo, Samuel Pfromm Netto. Durante o processo seletivo ele deu-me orientações inesquecíveis de como me apresentar aos demais acadêmicos, mostrando minha síntese curricular sem o entojo da ostentação, a fim de semear simpatia e tentar conquistar votos.
Aliás, o próprio Samuel Pfromm Netto era paradigma nesse sentido. Possuidor de invejável conhecimento e de ter atingido o píncaro da glória na vida profissional, cultural e literária, era modestíssimo e paciente no trato com as pessoas, esboçando um largo, agradável, cândido e contagiante sorriso.
Uma vez eleito, em 24 de junho de 1999, mercê da benevolência dos acadêmicos de então, lembro-me nitidamente das orientações recebidas, novamente do presidente Samuel Pfromm Netto, na elaboração do meu discurso de posse, cuidando de que eu não me esquecesse de enaltecer minha patronesse e meu antecessor na cadeira no 10.
Exatamente aos 23 de março de 2000, no auditório nobre do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo – Cremesp, edifício sediado na Rua da Consolação, eu tomava posse como membro titular, numa noite inesquecível em minha mente. Como manda o cerimonial, fui honrosamente introduzido no recinto pelos acadêmicos Afiz Sadi, Dóli de Castro Ferreira e Walter Rossi, estes dois últimos tinham sido empossados havia menos de um mês! Além de Afiz Sadi, compuseram a mesa de honra Samuel Pfromm Netto (presidente) e Adolfo Lemes Gilioli (1o secretário).
Na ocasião, escolhi como mote de minha fala o segundo versículo do capítulo 8, do livro da Sabedoria: “Amei a sabedoria desde a minha juventude e procurei torná-la como esposa, pois fiquei enamorado de sua formosura”. Este lema de vida tem-me acompanhado desde a idade da razão – mesmo sem conhecê-lo como tal naquela época –, pois, “Sabedoria” é também um dos atributos de Deus, e por Ele fui irresistivelmente atraído desde minha infância; Dele tenho tentado, imerecidamente, me aproximar; e Nele tenho procurado dessedentar minha ciclópica ignorância e meu desejo incontido de infinito.
Jamais poderei me olvidar da saudação a mim dirigida pelo acadêmico Afiz Sadi, ex-presidente da Academia Cristã de Letras e professor titular de urologia da Escola Paulista de Medicina, hoje, Universidade Federal de São Paulo, serviço onde tinha gentilmente me recebido 18 anos antes, em seu programa de pós-graduação, em nível de mestrado.
Da mesma forma, a presença na plateia da minha esposa e de diversos acadêmicos, bem como de familiares e amigos deram-se alento, força e muita alegria. À época, meus dois filhos mais velhos estavam saindo da adolescência e ingressando na juventude, e minha filha mais nova estava deixando a infância. Aliás, meu segundo filho, então com 17 anos, não pôde comparecer, pois estava realizando um intercâmbio de jovens nos Estados Unidos da América. Meus pais, que me ensinaram com suas vidas, as virtudes do trabalho, da honestidade, da simplicidade, da perseverança e da humildade dentre outras, encontravam-se compenetrados, atentos e embevecidos naquela solenidade que, muito provavelmente, os fazia rememorar idos tempos, imaginando-me quando criança, as minhas travessuras, bem como as peripécias que tinham feito na difícil missão de educar três filhos, com parcimônia e rédeas curtas, no caminho do bem e da retidão de caráter.
Ter ingressado na Academia Cristã de Letras deu-me não somente alegria, mas também muita honra, pois me proporcionou acesso a ombrear com grandes intelectuais alheios à minha formação médica e dos mais diversificados naipes profissionais, ampliando muitíssimo meu relacionamento e horizonte.
Por incrível que possa parecer e diferentemente de outros membros que aqui ingressaram, eu ansiava por chegar o dia de participar das reuniões mensais, que eram realizadas no edifício sede da entidade, à Rua Dr. Carvalho de Mendonça, 203, nos Campos Elíseos. Nessas reuniões tive a oportunidade de conhecer pessoas que hoje são lendas inapagáveis em minha memória e na trajetória deste querido sodalício: Antonio Lafayette Natividade Silva, o único membro fundador ainda entre nós!; e, doravante, citando apenas alguns dos que em sua maioria, não estão mais entre nós: Afonso Vicente Ferreira, Hugo Beolchi Júnior, Roberto Machado Carvalho, Mariazinha Congílio, Dulce Salles Cunha Braga, Walter Rossi, Hélio Falchi, Carlos Correa de Oliveira, Sebastião da Silva Barreto, José Benedicto Silveira Peixoto, Roberto Fontes Gomes, Genésio Cândido Pereira Filho, Dóli de Castro Ferreira, Samuel Pfromm Netto, Sólon Borges dos Reis, Mário Chamie, Adolfo Lemes Gilioli, Afiz Sadi, dentre muitos outros renomados intelectuais que ingressaram posteriormente, fazendo parte da contemporaneidade deste silogeu, e que tive e tenho tido a inaudita honra de conhecer e de conviver.
A convivência na academia deu-me a nítida noção de que cada membro do sodalício é um precioso elo de seu tempo, que recebeu, conheceu e absorveu a herança cultural de seus predecessores e a transfere, paulatinamente, às gerações futuras, independentemente de sua idade e do tempo que desfrutou na confraria. Magicamente, cada acadêmico experiencia em sua passagem, o paradoxo de sentir o orvalho do pretérito, a brisa da atualidade e a aurora do porvir.
A frequência assídua na sede da Academia Cristã de Letras, mesmo em dias sem as tertúlias, aguçou-me também a curiosidade por pesquisar na biblioteca que lá se encontra – infelizmente, um precioso acervo não catalogado e inexplorado (!) – e, em decorrência, empreender dois projetos que me custaram muitíssimas horas de trabalho e dedicação: 1o – Restauração e Atualização da Galeria Fotográfica dos Presidentes, com a obtenção inusitada da foto de Benedicto Rodrigues Aranha, primeiro presidente, falecido havia 30 anos e que não constava da galeria, acervo precioso que hoje também enriquece a página eletrônica da entidade, aliás, muito bem construída e mantida pela acadêmica Di Bonetti; e 2o – Levantamento histórico da entidade, que culminou na publicação do livro “Academia Cristã de Letras – Tributo aos Quarenta Anos de História” (2007), que tive a honra de ter como prefaciadores os acadêmicos Afiz Sadi, Adolfo Lemes Gilioli e Paulo Nathanael Pereira de Souza.
Ademais, descobri que na parede que fica atrás da mesa principal do modesto anfiteatro que se localiza no primeiro andar, há um quadro com a imagem de São Francisco – patrono da Academia Cristã de Letras –, que foi pintado e doado pela senhora Maria Aparecida Vergueiro, mais conhecida por Zy van Langendonck, esposa do acadêmico Tácito Remi de Macedo van Langendonck, meu antecessor e fundador da cadeira no 10 desta honorável grei.
Vinte anos não significam nada diante da incomensurável história do universo, mas, representam muito tempo, mesmo se considerarmos a atual e avantajada expectativa média de vida da população, comparada há algumas décadas. Aquele adulto jovem que houvera sido empossado na Academia Cristã de Letras, que caminhava para o ápice de sua atividade profissional, encontra-se agora, no rol daqueles que já ingressaram há alguns anos, na terceira idade. Meus pais, que outrora muito se alegraram com aquela conquista, agora, com certeza, encontram-se junto a Deus e embora não mais presentes fisicamente, continuam torcendo e orando na primeira fila do céu, pelos seus filhos e descendentes! Por sua vez, meus três jovens filhos cresceram, casaram-se e deram a mim e a minha esposa, o encanto e a felicidade da renovação da vida, através de seis netos!
Fui muito estimulado pelo ilustre acadêmico Paulo Nathanael Pereira de Souza, bem como por outros confrades e confreiras, a ousar coordenar uma diretoria de sucessão neste venerável sodalício. Tenho plena ciência de minhas limitações, que não são poucas! Tenho também confiança e esperança de que trabalharemos em equipe, pois o mesmo amor, ardor e denodo pela causa da querida Academia Cristã de Letras é, felizmente, vivenciado e partilhado por outros membros da diretoria e da entidade. Inspirado na “Oração de São Francisco” e a ele rogando intercessão em nossos trabalhos, escolhi como lema desta gestão: “Ser Instrumento da Paz”, diretriz que fala por si mesma e que pretende ser o norte neste biênio.
De todas as entidades médicas, culturais e literárias das quais participo, somente esta tem a designação de “Cristã” – Academia Cristã de Letras! E para mim este vocábulo é mui caro e de inefável honra, pois, necessariamente, ele não somente remete a nosso senhor Jesus Cristo – Deus feito homem! – e sua incomensurável obra em tão curta existência, que dividiu a história em antes e depois Dele, bem como a uma miríade incalculável de seus seguidores que, fascinados por Ele, doaram e continuam doando, abnegadamente, em dois milênios suas existências, a fim de proporcionar um mundo melhor – mais justo, mais fraterno, mais solidário, mais pacífico, mais misericordioso, mais humanizado, enfim..., mais cristianizado.
A chapa “Ser Instrumento da Paz” iniciou em janeiro de 2020, o 29o mandato na saga da Academia Cristã de Letras. Deram-me a honra inalcançável e não equiparável de suceder a acadêmicos denodados, de grande notoriedade na história de nosso estado e deste silogeu, dentre os quais reverencio a todos, declinando respeitosamente os nomes de meus três predecessores imediatos: Paulo Nathanael Pereira de Souza, Yvonne Capuano e Ruy Martins Altenfelder Silva. Assim, ao coordenar este biênio (2020-2021), torno-me o 17o presidente desde caríssimo sodalício, sendo precedido por outros quatro ilustres médicos nesta função, curiosamente, um deles exerceu a mesma especialidade que exerço – urologia; três deles pertenceram também à vetusta Academia de Medicina de São Paulo; dois deles pertenceram à augusta Academia Paulista de Letras; e três deles também foram membros da insigne Academia Paulista de História: José Pedro Leite Cordeiro (1982); Duílio Crispim Farina (1984-1985); Afiz Sadi (1988-1989 e 1990-1991); e Yvonne Capuano (2012-2013).
No ensejo desta peroração, emocionado e como já havia mencionado algumas vezes anteriormente – sem o brilho, a cultura e a relevância de meus predecessores – plagio um apelo que John Fitzgerald Kennedy (1917-1963) fez, em 20 de janeiro de 1961, ao assumir o mandato como o 35o presidente dos Estados Unidos da América: Não perguntem o que eu e a Academia Cristã de Letras podem fazer por vocês; perguntem-se o que vocês podem fazer por esta querida e ilibada instituição cristã de cultura e de literatura, verdadeiro oásis num mundo que tem perdido, infelizmente, seus mais lídimos, profundos e transcendentes valores!
Obviamente, reitero que não estarei só nesta empreitada, pois, felizmente, nossa equipe possui não somente membros de nomeada, mas também idealistas que prezam e muito se orgulham por pertencer a Academia Cristã de Letras. Com certeza, juntos acrescentaremos alguns tijolos a mais na história da construção deste estimado silogeu!
Tudo o que pudermos fazer, façamos em prol da nossa entidade, pois, com certeza, ela será mais conhecida, enaltecida, admirada, robustecida e dignificada. É também do próprio John Kennedy este aforismo: “O sucesso tem muitos pais, mas o fracasso é órfão”. Que o crescente e contínuo sucesso da querida Academia Cristã de Letras tenha muitos pais – seus diletos membros!
Muitíssimo obrigado!
Helio Begliomini
[1] Discurso de início de mandato (2020-2021) como presidente da Academia Cristã de Letras, proferido no dia 17 de março de 2020, no Auditório Olavo Setúbal do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), à Rua Tabapuã, 469, 1o andar – Itaim Bibi, São Paulo. A apresentação foi ilustrada com diversas imagens alusivas ao desenvolvimento do texto.