O acadêmico Helio Begliomini, titular da cadeira nº 10 sob a patronímica de Marie Barbe Antoinette Rutgeerts van Langendonck, fez, a convite, conferência na semana magna da Abrames – Academia Brasileira de Médicos Escritores, da qual é membro titular e fundador da cadeira nº 33 sob a patronímica de Edgar Roquette-Pinto.
A Semana da Abrames foi realizada de 9 a 11 de novembro de 2017, no anfiteatro do Cremerj – Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro.
Estiveram presentes acadêmicos dos estados do Ceará, Piauí, Rondônia, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, além de escritores e intelectuais representantes de outras entidades.
O tema abordado foi “Abrames – 30 Anos! – Alguns de Seus Valores e Tesouros”. Na efeméride ele recebeu a Medalha Comemorativa dos 30 anos da Abrames e dois prêmios literários no concurso anual do sodalício: 3º lugar em ensaio e 3º lugar em crônica.
Crônica: Rugas[1]
“As rugas são os caminhos por onde a experiência que chega encontra as ilusões que se vão.” (Jean Antoine Petit-Senn (1792-1870), poeta franco-suíço).
Elas são implacáveis e silenciosas; quem viver... com elas conviverá. Surgem insidiosa e lentamente. Não doem, mas também não são bem-vindas, pois deformam a vitalidade e a beleza da eterna juventude que todos um dia ostentaram.
Foram rusticamente esculpidas com o cinzel do tempo e assinalam os quilômetros rodados da existência. São indelicadas, pois não pagam aluguel; tampouco pedem licença para se alojar e, tal qual um parasita, uma vez enxertadas e estabelecidas, multiplicam vagarosamente seus tentáculos e aprofundam seus sulcos, dominando completamente o sítio hospedeiro.
Alguns têm o privilégio de tê-las parcimoniosa e tardiamente. Outros, desafortunadamente, devido às vicissitudes que a vida lhes proporcionou, veem-nas brotar mais precocemente.
É verdade que podem ser artificial e parcialmente camufladas, mas não se consegue extinguir sua produção. Tudo é uma questão de tempo... Ele é inexoravelmente implacável!
Para alguns denotam experiência, tirocínio, discernimento e responsabilidade. Para outros ostentam mau agouro, pois prenunciam ou emolduram a última fase da vida, constituindo-se num dos apanágios da senectude.
São safadas e muito espertas. Não trabalham sozinhas, mas estão sempre acompanhadas de um pelotão de comemorativos: ressecamento e inelasticidade cutâneas; olhar baço e turvação do cristalino; ouvidos moucos; secura, fragilidade, queda e encanecimento dos cabelos; lentidão de raciocínio; atrofia muscular e movimentação morosa dos membros, dentre tantos outros.
Todas essas características podem ser muito bem sintetizadas numa singela palavra de tão somente cinco letras: “Rugas”, tendo “wrinkles” como sinônimo em inglês, igualmente um vocábulo um tanto quanto charmoso.
Se “o coração não tem rugas”, como asseverou a escritora francesa Marie Sévigné (1626-1696), ele, com certeza, não estará imune às suas consequências.
“Que a velhice não nos surpreenda com mais rugas na alma do que no corpo”, exclamou Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592), político, filósofo e escritor francês. E esse seria também o meu desejo, embora pressinta que muitas das rugas que foram brutalmente esculpidas no corpo pelas intempéries e contratempos da existência também sulcaram de modo inextrincável nossa alma; infelizmente, também o inverso é verdadeiro: reiterados dissabores, infortúnios e achaques que magoaram e degradaram nossa alma provavelmente trouxeram consigo expressões cutâneas de suas manifestações, dando a entender que as rugas sejam uma via de mão dupla: no corpo e na alma ou na alma e no corpo.
[1] Texto adaptado e parcialmente contido na apresentação do livro Rugas (2017), do autor, editado pela Expressão e Arte Gráfica, em São Paulo.
Este trabalho recebeu o 3o lugar na categoria crônica, no concurso anual da Academia Brasileira de Médicos Escritores – Abrames, em cerimônia de gala realizada no anfiteatro do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro – Cremerj, em 10 de novembro de 2017.
“Abrames – 30 Anos! – Alguns de Seus Valores e Tesouros”.