Foi um sonho? O horizonte estava escuro como uma taça cor-de-vinho, quando um tigre passou veloz pelos galhos do ipê. Sua pelagem era alaranjada com listas negras, suas pupilas tinham íris douradas. Escondia-se na árvore oca e alta, com padrões verticais de luz e sombra. As patas macias retendo as garras. Um guerreiro cheio de sêmen e energia atravessando as folhas com sua beleza felina e selvagem. A presença dele me fascina e apavora. Pode saltar como flecha certeira e rápida. É inevitável o perigo, pois essa fera só conhece a crueldade e a ingratidão.
Imaginei o grito do romântico e visionário William Blake (1757-1827): “Tigre, tigre que flameja nas florestas da noite, que mão, que olho imortal se atreveu a plasmar tua terrível simetria?” Diante de um tigre enjaulado, o poeta se questiona sobre quem teria tido a ousadia de capturá-lo, ele, o tigre, montaria de uma deusa indiana. Quem o teria arrancado de um esconderijo, de uma caverna, para trazê-lo até aquele pátio de fontes e arabescos, àquela prisão? Quem criou o cordeiro, também criou o tigre? Pergunto a mim mesma: “Tigre, tigre que brilhas no breu, como chegaste a este ipê amarelo de cerrado, no centro do mundo?”
Outro poeta, o argentino Jorge Luís Borges (1899-1986), viu um tigre balançar a longa cauda entre os livros de sua vasta biblioteca. Era forte, inocente, ensanguentado e novo. Talvez fosse um tigre de símbolos, um verso, uma palavra apenas e não o tigre fatal, a asiática joia que, sob o sol ou a chuva, vai cumprindo seu destino em Sumatra ou em Bengala. Era outro tigre, a própria Poesia pulando como pantera das prateleiras.
Se esse tigre foi um sonho, sentirei angústia. Se for um rio, desaguará no Paraíso. Se for um déspota, me atacará sem perdão. Se for um monstro, devorará a lua. Se for um predador, cravará os dentes na minha nuca. Súbito, o ipê oscila entre chispas de fogo.
Não, não quero acordar.